Os episódios revelam como o racismo estrutural e a negação da identidade afro-brasileira ainda persistem nas escolas, afetando gravemente a saúde emocional de estudantes e silenciando educadores.
Por Vitoria Carvalho, da sucursal de Brasília
Casos recentes ocorridos em escolas públicas e particulares do Brasil evidenciam que o racismo, seja estrutural ou por injúria direta, continua a atravessar os corredores escolares, refletindo as marcas ainda vivas de um passado escravocrata não superado. Professores e estudantes negros seguem sendo alvos de silenciamentos, agressões verbais e institucionais, enquanto políticas públicas de combate à discriminação seguem sendo ignoradas ou minimizadas.
No litoral paulista, o professor de história César Augusto Mendes Cruz pediu demissão da Escola Municipal Major Olímpio, em Ilhabela, após sofrer pressões políticas e institucionais por abordar mitologias africanas e europeias em uma aula sobre o conceito de tempo. A atividade, voltada a alunos do sexto ano, incluía o mito iorubá de Irokô, a figura grega de Cronos e referências artísticas, encerrando com a canção “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso. Apesar da abordagem pedagógica e interdisciplinar, a aula foi atacada por um vereador local, que a classificou como “inapropriada” e “perturbadora”, ignorando o conteúdo afro-brasileiro e reforçando a censura sobre temas que envolvem ancestralidade negra.

Casos recorrentes
Mais grave ainda foi o caso ocorrido em São Paulo, na tradicional escola particular Colégio Presbiteriano Mackenzie. Uma adolescente negra de 15 anos foi encontrada desacordada no banheiro da instituição, com um saco plástico amarrado à cabeça, após sofrer meses de bullying, injúria racial e lesbofobia por parte de colegas. Segundo a mãe da estudante, os apelos à escola foram repetidamente ignorados, e funcionários chegaram a deslegitimar os relatos da jovem, chamando sua dor de “mimimi” e sugerindo que ela sofria de “síndrome de perseguição”.
Ambos os episódios revelam uma constante: a resistência em reconhecer e enfrentar o racismo presente no ambiente escolar, onde o currículo ainda apaga ou marginaliza a história afro-brasileira e onde alunos negros e professores que tentam quebrar esse ciclo são frequentemente silenciados. Em muitos casos, como o de César, educadores são deixados à própria sorte quando tentam cumprir o que está previsto na Lei 10.639/03, que torna obrigatória a abordagem da história e cultura afro-brasileira nas escolas.
Segundo dados do Instituto Alana, 72% dos estudantes negros em escolas particulares já sofreram algum tipo de violência racial. Ainda assim, apenas 12% das denúncias são tratadas com seriedade. Esses números escancaram a negligência institucional diante de práticas que, além de ilegais, colocam em risco a saúde mental e física de crianças e adolescentes.
Distrito Federal
Em março deste ano, mais um episódio de violência racial dentro do ambiente escolar veio à tona: uma adolescente negra de 14 anos denunciou um professor da rede pública do Distrito Federal por uma fala abertamente racista durante a aula. Segundo o relato, o docente afirmou que “era necessário matar metade dos negros no Brasil”, reforçando estereótipos violentos e genocidas contra a população negra. A aluna ficou profundamente abalada com a declaração e chegou a chorar em sala. Mesmo após a diretora da escola confirmar o episódio com base nos relatos dos alunos, o professor continuou lecionando no dia seguinte, até que a Secretaria de Educação determinou seu afastamento preventivo.
“Ela fala pra mim: ‘tia, eu já convivo com isso diariamente, mas dentro da escola isso me magoou muito’”, relatou Fernanda Saraiva, tia da estudante. A fala da adolescente sintetiza o sentimento de milhares de jovens negros que, ao mesmo tempo em que tentam aprender, precisam lidar com violências cotidianas e sistemáticas que deveriam ser combatidas — e não reproduzidas — por quem ensina.
Educação antirracista
Os casos de Ilhabela, Distrito Federal e São Paulo não são isolados. Eles refletem um sistema que, mesmo após mais de um século do fim da escravidão, continua a reproduzir desigualdades e exclusões. Exigir justiça para as vítimas e responsabilização dos agressores é o mínimo. Mas, além disso, é urgente que o Estado garanta uma educação verdadeiramente antirracista, que não tema contar a verdadeira história do Brasil — uma história que inclui, valoriza e respeita a cultura e a vivência negra.
A omissão diante do racismo é cumplicidade. E enquanto instituições preferirem o silêncio ou o apagamento, seguiremos acumulando tragédias evitáveis e reforçando a ideia de que, nas escolas brasileiras, nem todos têm o direito de existir plenamente.
Tentamos contato com representantes dos sindicatos de professores e profissionais da educação para incluir seus posicionamentos sobre os casos citados e entender quais medidas vêm sendo adotadas pelas entidades diante de episódios de racismo no ambiente escolar. Até o fechamento desta matéria, não obtivemos retorno. Reforçamos que seguimos abertos ao diálogo e à publicação de manifestações futuras que contribuam para o aprofundamento do debate sobre uma educação mais justa, inclusiva e antirracista.