Após o desastre, a comoção popular atrai recursos públicos para a região e, ato seguinte, há o desvio destes recursos. Foi assim no interior fluminense, da mesma forma o que a seca representou por décadas, no semiárido nordestino, um poderoso mecanismo de perpetuação infinita de poderes locais criminosos.
Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro
Basta que as águas retornem aos leitos dos rios, após as enchentes no Rio Grande do Sul, para que o cenário do desastre mostre mais do que casas destruídas, cidades inteiras arrasadas, vidas levadas na correnteza. O mau cheiro da morte e os corpos em decomposição sob o sol, no entanto, atraem mais do que os ratos e urubus.
Tão logo a rotina, ainda que sofrida, volte a se estabelecer e o noticiário esfrie, chega a hora de outro bicho entrar em cena para devorar, a exemplo dos necrófagos de plantão, os recursos recebidos de todo o país para o alívio das vítimas e a reconstrução do que foi levado pela força das águas. Tem sido assim, no Brasil, nas últimas tragédias, como as chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro. Desde 1988 a 2022, mais de 700 pessoas morreram em consequência de enchentes e deslizamentos somente na cidade de Petrópolis. Os piores anos foram 1988, com 134 mortes, 2001, com 67, 2002, com 50, 2011, com 73, 2013, com 33, e fevereiro de 2022, com 235 vítimas fatais apenas naquele município.
Saqueadores
O ciclo perverso repete-se, em todas as regiões do país. Após o desastre, a comoção popular atrai recursos públicos para a região e, ato seguinte, há o desvio destes recursos. Foi assim no interior fluminense, da mesma forma o que a seca representou por décadas, no semiárido nordestino, um poderoso mecanismo de perpetuação infinita de poderes locais criminosos, que se alimenta da destruição da vida dos mais pobres e garante a sustentação de frações do capital em escala local, regional e, até mesmo nacional. O Rio Grande do Sul, que já sofre com os ataques vis de saqueadores, enquanto a calamidade segue seu curso, não parece ser diferente do restante do país.
O que se espera agora do novo ministro da Reconstrução, Paulo Pimenta, para muito além da coordenação de esforços que possam reerguer a economia do Estado gaúcho, será a dedicação para que os benefícios – que não têm sido poucos – destinados ao Rio Grande do Sul sejam bem aplicados.
A ver.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Jornal Correio do Brasil.