Presidente russo anistiou líder mercenário horas após ter prometido punição exemplar. Para analistas, ele subestimou o chefe do Grupo Wagner, solução alcançada foi de curto prazo e Kremlin vive "equilíbrio instável".
Por Redação, com DW - de Moscou
O presidente russo, Vladimir Putin, vivenciou na sexta-feira e no sábado a sua crise mais grave desde que decidiu invadir a Ucrânia, no início de 2022, e possivelmente desde que assumiu o cargo pela primeira vez, em 2000.
Um motim liderado pelo chefe do grupo mercenário russo Wagner, Yevgeny Prigozhin, tomou o controle de um quartel-general em Rostov-on-Don, no sul da Rússia, responsável por coordenar as atividades da invasão da Ucrânia, e enviou um comboio de homens e veículos militares em direção a Moscou, com o objetivo declarado de depor o ministro da Defesa e o chefe do Estado-Maior da Rússia.
Putin conseguiu interromper a sublevação armada quando o comboio rebelde estava a 400 quilômetros de Moscou, segundo o jornal The New York Times, ou a 200 quilômetros, na conta de Prigozhin. Um acordo deu ao chefe dos mercenários a garantia de que nem ele nem seus homens seriam punidos pela intentona, e refúgio a Prigozhin em Belarus. Na manhã deste domingo, o recuo dos combatentes do Grupo Wagner se confirmava.
Horas após prometer punição, Kremlin dá anistia
Se o desfecho não foi o ideal para Prigozhin, até o momento, o comando militar russo segue o mesmo, tampouco foi para Putin. Poucas horas depois de o presidente russo ter chamado o motim de uma "punhalada nas costas" e prometer punição exemplar aos envolvidos, o Kremlin anunciou que encerraria o processo criminal aberto pela sublevação contra o chefe do Grupo Wagner e seus homens que haviam questionado a autoridade de Moscou, em um acordo intermediado pelo presidente de Belarus, Alexander Lukashenko.
Ao longo do sábado, observadores de todo o mundo acompanharam a facilidade com que os mercenários assumiram o controle de uma importante instalação militar russa e rumaram para o norte, sem sofrerem perdas significativas no caminho e tendo derrubado helicópteros militares no trajeto, segundo blogueiros russos.
Moscou, por sua vez, amanheceu no sábado em clima de apreensão, com policiamento reforçado, barreiras em estradas com sacos de areia e valas sendo abertas no asfalto de vias que chegam à capital para atrasar o avanço dos rebeldes. O prefeito da cidade, Sergei Sobyanin, disse que a situação era "difícil", pediu que as pessoas evitassem viajar, decretou um feriado na segunda-feira para "reduzir riscos" e proibiu grandes aglomerações externas e eventos em instituições de ensino até o próximo sábado.
"Putin subestimou Prigozhin"
O analista político Konstantin Kalachev, especializado em Rússia, afirmou à agência francesa de notícias AFP que o motim fez com a "crise das instituições e da confiança" que ronda o Kremlin, "que não era óbvia para muitos", fosse escancarada.
– Os clamores por unidade feitos sábado por representantes das elites (russas) só confirmaram isso. Por trás, está uma crise das instituições e o medo pelo que pode acontecer com eles – disse.
Ele pontou que as imagens de moradores de Rostov-on-Don saudando os combatentes do Grupo Wagner, que circularam no sábado, deverão deixar as autoridades russas preocupadas. "A posição de Putin está enfraquecida", disse. "Putin subestimou Prigozhin, assim como havia antes subestimado Zelensky. Ele poderia ter interrompido isso com um telefonema para Prigozhin, mas não o fez."
"Equilíbrio instável"
O Instituto para o Estudo da Guerra, um think tank sediado em Washington, avaliou que o papel direto de Lukashenko na negociação da trégua seria "humilhante para Putin". Lukashenko é aliado do Kremlin, e conhece Prigozhin há décadas.
"O Kremlin agora enfrenta um equilíbrio profundamente instável", disse o instituto. "O acordo negociado por Lukashenko é um remendo de curto prazo, não uma solução de longo prazo, e a rebelião de Prigozhin expôs graves fraquezas no Kremlin e no Ministério da Defesa russo."
O repórter britânico Luke Harding, do jornal The Guardian, que foi correspondente na Rússia e publicou livros sobre a dinâmica de poder do Kremlin, escreveu que Putin "parece mais fraco como nunca desde que se tornou presidente, em 2000", e que a sublevação criou "ondas de choque" que continuarão a repercutir por meses.
Ele pontuou que seria ingenuidade minimizar a força dos militares russos, mas que a Rússia agora pode estar às vésperas de um conflito civil, o que reduziria a chance de sucesso da sua invasão da Ucrânia, segundo ele, um "produto de inteligência pobre, pensamento messiânico e isolamento extremo de Putin durante a pandemia".
Harding ressalva que Prigozhin "não é nenhum pacifista", e que seu manifesto é por uma Rússia que faça uma campanha mais vigorosa na Ucrânia, com decisões mais bem pensadas que evitem a morte desnecessária de soldados em ataques mal planejados.
Os detalhes sobre o motim e seu insucesso não estão claros. Uma possibilidade é que Prigozhin teria apostado que autoridades do Kremlin se uniriam à sua pretensão de trocar o comando militar do país, mas isso não ocorreu.
No sábado, a analista Anna Matveeva, pesquisadora visitante sênior do Instituto sobre a Rússia do King's College, em Londres, disse à agência de notícias Reuters que Prigozhin era uma figura popular e com capacidade de combate demonstrada, mas que o sucesso ou fracasso do motim dependeria dos aliados que ele poderia encontrar dentro das forças de segurança da Rússia.
Ucrânia vê benefício em motim
Como não poderia deixar de ser, o motim foi explorado politicamente por autoridades ucranianas. "Qualquer caos atrás das linhas inimigas é de nosso interesse", disse o ministro do Exterior ucraniano, Dmytro Kuleba, ponderando que ainda era muito cedo para falar das consequências para Kiev.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, também se manifestou: "Hoje o mundo viu que os mestres da Rússia não controlam nada. Absolutamente nada. Apenas um caos completo", disse em sua mensagem de vídeo diária, e aproveitou para pedir que países aliados enviem mais armas a Kiev.
Oficiais de inteligência dos Estados Unidos mencionados pelo jornal britânico The Times, no entanto, manifestaram preocupação com um cenário de caos completo na Rússia, país que detém o maior número de ogivas nucleares do mundo.