Os pesquisadores explicam que se trata de ave restrita a uma pequena região da Amazônia, entre o leste do Rio Tocantins e a Amazônia maranhense. “O maior problema da espécie é que está restrita a uma área de mata de várzea devastada da Amazônia, muito impactada pela destruição da floresta”.
Por Redação, com ABr - de Brasília
Eram 4h da manhã na várzea do rio que banha a Terra Indígena Mãe Maria, no município de Bom Jesus do Tocantins (PA). O canto de pássaro surge de forma surpreendente para dois pesquisadores ornitólogos, no décimo dia da expedição da pesquisa em que buscavam a ave mutum-pinima, criticamente ameaçada de extinção. Eles quase não acreditavam no que ouviam. E depois no que enxergavam. Havia 40 anos que nenhum pesquisador via o bicho de perto. E aconteceu.
– A gente observou e gravou o bicho por mais de dez minutos. Foi aquela felicidade – diz o ornitólogo Gustavo Gonsioroski que atuou no estudo realizado no mês passado. Foram registrados seis indivíduos, entre eles casais, o que garante a esperança de manutenção da espécie.
Gonsioroski e outros pesquisadores preparam-se para voltar à região no mês que vem, na tentativa de encontrar outras aves mutum-pinima como essa para política de manejo e proteção. Ele participa do Plano de Ação Territorial para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção do Território Meio Norte (PAT Meio Norte).
O plano é coordenado pela Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão (Sema) ,juntamente com o Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) e o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do estado do Pará (Ideflor-Bio). A iniciativa faz parte do projeto Pró-Espécies: Todos contra a extinção, iniciativa do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
– Encontrar seis indivíduos é algo inédito. Foi muita adrenalina e emoção. Um momento bem exclusivo mesmo – afirmou Gonsioroski. Para encontrar os animais, os pesquisadores contaram com informações de indígenas da região, da etnia Gavião Parkatejê, e da tecnologia com instalação de dez gravadores de áudio e dez câmeras trap, para registro de vídeo.
Ameaças
O biólogo e ornitólogo Leonardo Victor, que também participou da expedição, relata que a identificação ocorreu quando se preparavam para desistir. “Nós tínhamos colocado as câmeras em locais que os indígenas tinham recomendado. Primeiro tomamos um susto. Há 40 anos a espécie não aparecia”.
Os pesquisadores explicam que se trata de ave restrita a uma pequena região da Amazônia, entre o leste do Rio Tocantins e a Amazônia maranhense. “O maior problema da espécie é que está restrita a uma área de mata de várzea devastada da Amazônia, muito impactada pela destruição da floresta”, afirma Gustavo Gonsioroski.
Conscientização
Além da destruição do habitat, ele explica que a caça de aves na região é cultural. Estar presente nessa região, segundo os pesquisadores, indica que a terra indígena é ainda um local mais protegido. Segundo a pesquisadora Laís Morais Rêgo, superintendente de Biodiversidade e Áreas Protegidas da Sema e coordenadora do plano de ação, a descoberta deve ser acompanhada do fortalecimento da legislação para proteger o animal ameaçado.
– O plano tem como meta proteger 12 espécies ameaçadas e melhorar o estado de conservação delas. Estão criticamente ameaçadas de extinção”, explica. Estar criticamente ameaçada é o estágio anterior da extinção. Outra meta do projeto, ressalta a superintendente, é trabalhar na conscientização das comunidades da região para ajudar na proteção do animal. “Estamos agora nessa fase de construção de material educativo para também conseguir melhorar esse aspecto da divulgação – afirma Laís.
– Os indígenas ficaram muito comovidos com a situação da ave e se colocaram à total disposição para ajudar a difundir a mensagem de que se evite a caça – afirma o biólogo Leonardo Victor. De acordo com os pesquisadores, há uma estimativa de que exista no máximo 50 indivíduos vivos na natureza. “Nós encontramos seis bichos lá em 10 dias”.
Plantadores de açaí
Salvar uma espécie tem significados imensuráveis para o meio ambiente. Não obstante, os pesquisadores lembram que, para sensibilizar pessoas leigas, é necessário ratificar que uma espécie como o mutum-pinima colabora de forma fundamental para a vida humana. “Tento passar uma mensagem que a ave é um prestador de serviço natural”, diz Leonardo Victor.
– Não adianta só falar que a legislação trata de patrimônio natural. É preciso lembrar que a ave colabora para a plantação do açaí na região. Esse animal ameaçado leva as sementes que plantam floresta de açaí na Amazônia, um bicho que dissemina o sustento de comunidades – acrescenta Gonsioroski.
A coordenadora da pesquisa ratifica que a importância das aves, próximas aos rios, para a plantação do açaí torna didática essa cadeia natural entre fauna e flora, por exemplo. “É uma engrenagem. Quando uma espécie deixa de existir, outras também vão começar a faltar”.
Em dezembro, os pesquisadores voltam à região para recolher os gravadores e câmeras e continuar buscando a ave em locais em que ainda não passaram. Eles vão procurar novamente o bicho de canto grave, difícil de captar até com um gravador, já que é tímido e arisco, que surge de manhã e “some”. Depois, retorna no crepúsculo. Os pesquisadores querem iluminar essa história, conhecer mais da ave para saber como preservá-la.