Quando terminou o filme The Old Oak, nome de um pub, novo filme do conhecido e respeitado realizador inglês Ken Loach, foi uma apoteose de aplausos na Piazza Grande com seus 8 mil espectadores. No Festival de Locarno, todo comprador de um lugar na Piazza Grande, onde os filmes são exibidos num telão de 400 metros quadrados, tem o direito de votar para a escolha do melhor filme ali exibido - é o Prêmio do Público. E o sucesso do filme de Ken Loach não foi só medido pelos aplausos, foi também pela maioria dos votos.
Por Rui Martins, Festival de Cinema de Locarno
Essa não foi a primeira vez. Outro filme de Ken Loach já havia sido eleito pelo público, em 2016, foi Eu, Daniel Blake. Nada de estranhar, pois o filme já havia ganhado a Palma de Ouro do Festival de Cannes, ainda hoje considerado o principal dos festivais de cinema. Esse filme era um protesto de Loach ao sistema de controle de pensões, privatizado em 2008 na Inglaterra, que submetia trabalhadores portadores de doenças a uma série de humilhações para poderem receber seu pagamento mensal.
Desta vez, Ken Loach tem por tema a chegada de refugiados sírios no nordeste da Inglaterra, região pobre, onde os aluguéis são mais baratos e a população bastante sofrida depois do fechamento das minas. A chegada dos estrangeiros provoca uma reação de rejeição, de nacionalismo e de racismo entre os frequentadores do pub ou bar, onde costumam se reunir. E o filme começa praticamente com o gesto agressivo de um dos frequentadores do pub, provocando a queda e a quebra das lentes do aparelho de uma fotógrafa que ali entrara. Seria um filme de denúncia e de conflitos ou de solidariedade com os estrangeiros ali chegados?
Ken Loach optou por um filme acentuando o despertar de uma solidariedade da comunidade inglesa local aos imigrantes recém-chegados, vítimas de uma situação gerada pela guerra no país natal. Às primeiras reações de rejeição do grupo frequentador do pub, se sucedem gestos e ações de ajuda, apoiados pelos sindicatos e sindicalizados. Talvez nisso o filme não consiga ser totalmente convincente, mas sua temática é de esquerda. Os anti-imigrantes frequentadores do pub têm frases e comportamentos de extrema-direita.
Quando se vê, num sentido contrário, uma espécie de renascimento da extrema-direita, como a existente no Brasil mesmo se foi derrotada e a que acaba de se afirmar na Argentina, seria o caso de se perguntar se Ken Loach não teria subestimado os racistas de plantão.
Os pobres seriam sempre solidários politicamente?, pode-se perguntar ao fim do filme com certa descrença. Solidariedade não é caridade, diz um dos personagens do filme, provavelmente para evitar que gestos de apoio possam ser assimilados apenas às boas intenções e ao desejo de ter boa consciência. Em todo caso, Loach tem 50 anos de filmes políticos de conteúdo humano social.
E o público como reagiu, como um coletivo consciente da necessidade de apoio aos imigrantes ou sensibilizado simplesmente pelo lado atraente provocado pelos gestos humanos de solidariedade? Ninguém se engana quanto às tendências políticas do Festival de Locarno, bem visíveis na escolha dos filmes nas diversas mostras e nos prêmios distribuídos. Mas o público compartilha essa preferência? Um público que ovaciona Ken Loach, não uma mas duas vezes, não deixa dúvidas.
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.