O decreto assinado por Lula garantindo que 30% dos cargos e funções públicas de confiança sejam preenchidos por negros constitui uma verdadeira revolução administrativa dentro do Brasil, que se poderia sem exagero se comparar a um quase fim do nosso aparthied ou segregação social derivada da segregação racial da população negra no Brasil.
Alguns poderão argumentar que a pequena participação de pretos e pardos nos cargos e funções de confiança da administração federal seja decorrente de não não haver entre eles pessoal devidamente qualificado para esses postos. Entretanto, isso é consequência de diversos tipos de segregação racial que acabam por influir na boa formação educacional das crianças pretas e pardas e as impedem de terem uma boa formação profissional e universitária.
A política de cotas, favorecendo essas camadas da população e lhes dando chances iguais às crianças e estudantes brancos, poderá ir corrigindo essa disparidade social. Por isso a importância do decreto garantindo aos pretos e pardos 30% dos cargos comissionados, tendo-se em vista que eles formam a maioria da população.
Embora a negritude represente 54% da população brasileira segundo o último censo do IBGE, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco estima ser de menos de 5% a existência de cargos comissionados ocupados por negros. Esse reconhecimento real da população negra deverá ser também efetivo no acesso ao ensino superior, segundo Úlltimas declarações do presidente em favor do aumento de bolsas para estudantes negros e do número de vagas nas universidades.
Isso significa uma gradativa transformação dentro da população brasileira com o acesso dos jovens negros ao exeercício de profissões até agora ocupadas apenas por profissionais brancos. A disparidade entre a população negra e parda com a população branca fica evidente com dados recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, pelos quais as mulheres brancas recebem 70% a mais que as mulheres negras.
Outros estudos tambémm mostram uma inferioridade da população negra em comparação com os brancos, em termos de moradia, alimentação, moradias, acesso à saúde, a atividades culturais, criando uma espécie de apartheid, no qual os negros convivem com os brancos porém quase sempre em condições bastante inferiores.
Os recentes casos de trabalho escravo localizados em viniculturas em Bento Gonçalves mostraram ainda existir esse tipo de exploração no Brasil, embora em número reduzido. Entretanto, é ainda grande o número de trabalhadores na maioria negra e parda, em situação de uma quase escravidão com salários miseráveis.
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.