A liberdade de imprensa está novamente em perigo. Se as instituições e forças democráticas brasileiras não se reunirem e fizerem frente ao governo nazifascista de Bolsonaro, apoiado pelos fanáticos da seita dos evangélicos, logo sofreremos a censura dos anos da Ditadura Militar. Algo inaceitável. Em janeiro de 1967, ainda no começo de minha carreira de jornalista, ao lado do antigo senador Mario Martins, estivemos na mesa organizadora da grande manifestação realizada no Teatro Paramount, na avenida Brigadeiro Luiz Antonio, em São Paulo. Era o Encontro com a Liberdade. Vamos relembrar essa luta, refazer novos encontros em defesa da liberdade da imprensa e de nossa profissão! (Nota do editor do Direto da Redação, Rui Martins. Seguem dois artigos dos colegas Celso Lungaretti e Ricardo Kotscho)
Celso Lungaretti, editor do blog Náufragos da Utopia:
Jornalistas da Folha de S. Paulo, do UOL, da Band e do Grupo Globo não mais cobrirão o simulacro de entrevista coletiva que o pior presidente da República do Brasil em todos os tempos armava sempre às manhãs, mais parecendo um mafuá de grotão do que o cumprimento da obrigação que todo governante tem de prestar conta à opinião pública dos atos por ele praticados no exercício do cargo.
Há muito, com toda razão, o veterano Ricardo Kotscho (uma das lendas vivas da nossa imprensa, quatro vezes ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo) já vinha conclamando os jovens colegas a não participarem daquele espetáculo matinal grotesco, durante o qual eram expostos ao achincalhe dos mentecaptos que iam lamber os pés do seu mito.
Infelizmente, tal decisão está sendo tomada com enorme atraso e por decisão de empresas jornalísticas, não dos profissionais do jornalismo.
Enquanto isto, por todo o país pipocam os insultos e as agressões às equipes de reportagem, ou seja, atingindo tanto os repórteres quanto os fotógrafos e motoristas (embora estes não determinem o enfoque que será dado à notícia).
Profissionais tentando trabalhar, apesar das condições indignas que lhes são impostas |
Será necessário matarem outro Vladimir Herzog para os colegas das novas gerações se tocarem de que há situações em que precisam reagir, acima de tudo, como cidadãos? E que não faz parte dos seus deveres servirem de sacos de pancadas para hordas de celerados açuladas por um presidente totalmente desequilibrado?!
A escalada de agressões a jornalistas só tem feito aumentar desde que o miliciano do baixo clero passou a enverg(onh)ar a faixa presidencial. E, enquanto ele estiver sabotando o funcionamento de todas as instituições da vida civilizada, como o faz com o combate à pandemia, não se pode esperar que jornalistas sejam poupados.
Fanáticos boçais e raivosos tudo fazendo para atrapalhar, instigados por um presidente ensandecido. |
O fim das arbitrariedades consentidas e até estimuladas pelas autoridades só chegará com a remoção da excrescência que hoje comete um genocídio e arma seus zumbis para uma guerra civil estuprando as franquias democráticas e utilizando para seus próprios e ignóbeis fins todo o peso do cargo que aberrantemente ocupa.
Até lá, colegas jornalistas da ativa, resistir é preciso!
Por Celso Lungaretti, editor do blog Náufragos da Utopia
Ainda jovem jornalista, o atual editor do Direto da Redação, coloca o cartaz do Encontro com a Liberdade na entrada da Sucursal de São Paulo, da Última Hora do Rio. Alguns meses depois, demitido do Estadão por razões políticas, passou a dirigir essa Sucursal.
Imprensa sob ataque do bolsonarismo
Ricardo Kotscho, editor do Balaio do Kotscho:
No próximo dia 1º de junho, comemora-se o Dia da Imprensa, mas os jornalistas brasileiros nada têm a comemorar, só a temer pelo seu futuro, diante dos constantes ataques do governo miliciano-militar.
Principal alvo do "gabinete de ódio" que governa o país, ao lado do Judiciário, as ameaças aos jornalistas começaram nas redes sociais, e logo transbordaram para as ruas, com agressões físicas e verbais, tornando nosso trabalho uma atividade de risco.
Tudo começa logo cedo, a cada dia, quando o presidente da República aparece no "curralzinho" do Palácio da Alvorada para açular seus devotos contra os repórteres, que são ofendidos por fazerem perguntas consideradas desagradáveis.
É ali que Bolsonaro se comunica diretamente com seu fiel eleitorado, em lives ou com comentários, em seguida, nas suas redes sociais para falar da sua realidade paralela.
Estimulados pelo exemplo que vem de cima, desde o início do governo os bolsominions se sentem liberados para agredir os profissionais e seus veículos, chamados de "lixo" pelo presidente.
Só na semana passada, uma repórter da TV Bandeirantes, em Brasília, levou uma bandeirada na cabeça e um cinegrafista da TV Globo foi agredido com o tripé da câmera, em Barbacena (MG).
Fotógrafos são chutados como cachorros nas manifestações antidemocráticas em apoio ao governo, sob os uivos e aplausos da matilha enfurecida. Mas nada se compara ao que fez no sábado o dono do SBT (Sistema Bolsonarista de Televisão), Señor Abravanel, também conhecido por Silvio Santos, o mais sabujo dos sabujos.
Ao receber uma reclamação de Fábio Wejngarten, chefe da Secom, porque o presidente não gostou da reportagem sobre o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, Silvio Santos não teve dúvidas: para evitar problemas, simplesmente mandou suspender a exibição do telejornal do SBT e dispensou a equipe na tarde de sábado.
É a primeira vez que vejo o dono censurar a própria emissora sem dar maiores satisfações ao distinto público. Boa parte dos palavrões do presidente e seus ministros naquele show de horrores exibido quase na integra, por ordem do STF, foram dirigidos à imprensa, o que só mostra que estamos no caminho certo, cumprindo nosso papel.
A mesma Folha, chamada de "bosta" pelo presidente, abriu espaço no fim de semana para Fábio Wejngarten comemorar com um artigo na nobre página três os feitos dos 500 dias de governo Bolsonaro.
Ainda não temos censura prévia como nos tempos da ditadura militar, mas a pressão sobre as empresas de mídia é feita sorrateiramente, com ameaças até aos anunciantes, e com a distribuição da propaganda oficial dirigida de acordo com os interesses políticos do governo, sem respeitar a mídia técnica, proporcional à audiência ou circulação dos veículos.
Para quem tem saudades dos anos de chumbo, lembro que os jornalistas não eram apenas censurados, mas presos, torturados e mortos, como aconteceu com Vladimir Herzog, em 1975.
Colegas meus simplesmente "desapareciam" de um dia para outro da redação do Estadão, onde eu trabalhava, ou da faculdade de jornalismo da ECA-USP, onde eu estudava. Muitos nunca mais voltaram.
É isso que está por trás do discurso armamentista, claramente fascista, de Bolsonaro, que não esconde sua admiração por ditadores e torturadores.
Fico pensando no que diriam hoje Clóvis Rossi, Audálio Dantas e Nirlando Beirão, meus bons amigos, que também resistiram e sobreviveram à ditadura, mas morreram de tristeza com a destruição do país depois do advento do bolsonarismo.
Jornalistas como eles e tantos outros que não estão mais aqui dedicaram suas vidas e carreiras para defender a liberdade de expressão, um dos pilares da democracia, hoje novamente ameaçada.
Por isso, não podemos nunca abrir mão do direito de contar o que está acontecendo, mesmo que isso desagrade o poder e os seus seguidores mais fanáticos.
Nunca fui tão xingado e ofendido na minha vida como na área de comentários deste blog. Mas, enquanto deixarem, estarei todos os dias aqui escrevendo o que penso e manterei aberto o espaço para as opiniões dos leitores.
Essa é a grande conquista da internet, o espaço democrático onde somos todos emissores e receptores de informações e opiniões, deveríamos fazer bom uso dessa ferramenta para combater sempre as mentiras oficiais e as fake news em geral que colocam em risco, não só a democracia, mas as nossas vidas ameaçadas pela pandemia.
Por oito anos (1968-1976), trabalhei sob a censura do AI-5 no Estadão, e não tenho a menor saudade daquele tempo.
Temos, sim, um motivo para comemorar: até aqui, preservamos a nossa liberdade e a da sociedade de ser informada.
Essa tem que ser uma luta de todos, jornalistas e leitores.
Vida que segue.
Por Ricardo Kotscho, jornalista. Publicado originalmente no Balaio do Kotscho.
Direto da Redação é um fórum de debates, editado pelo jornalista Rui Martins.