Santa Catarina é, ao lado do Paraná, um dos Estados brasileiros com o maior número de concentrações neonazistas, desde associações que funcionam a céu aberto até grupos subterrâneos, radicalizados, que planejam e executam crimes contra a democracia brasileira, a exemplo do 8 de Janeiro.
Por Redação - do Rio de Janeiro
O filme ‘Som da Liberdade’, uma miscelânea de teorias da conspiração com inspiração neonazista foi o filme mais assistido neste último fim de semana, com apoio massivo de igrejas evangélicas e de segmentos da ultradireita norte-americana, patrocinadores dos ingressos que os pastores bolsonaristas distribuíram aos seus fiéis e às corporações da Polícia Militar de Santa Catarina. O longa, assistido por mais de 250 mil pessoas nas últimas 48 horas, arregimentou caravanas de religiosos e policiais militares às salas de cinema, em Florianópolis.
Santa Catarina é, ao lado do Paraná, um dos Estados brasileiros com o maior número de concentrações neonazistas, desde associações que funcionam a céu aberto até grupos subterrâneos, radicalizados, que planejam e executam crimes contra a democracia brasileira, a exemplo do 8 de Janeiro. Naquele Estado, segmentos religiosos protestantes e neopentecostais atuam há década no exercício da radicalização de um número cada vez mais expressivo de militantes neonazistas, com ligações profundas a grupos similares baseados nos Estados Unidos.
Ingresso grátis
A xenofobia, o racismo estrutural e o abuso de mulheres e vulneráveis são práticas corriqueiras por parte dos integrantes das milícias neonazistas, formadas em ambos os países. Curiosamente, o tema inspira o filme ‘Som da Liberdade’, no qual o norte-americano Tim Ballard, um ex-agente da Segurança Nacional dos EUA, atua na investigação do tráfico de seres humanos, na fronteira com o México. Ballard, no entanto, voltou a ser acusado de abuso sexual por um grupo anônimo de mulheres que trabalharam na Operation Underground Railroad (OUR), organização fundada por ele, segundo apurou a vetusta revista norte-americana Rolling Stone.
Em uma recente declaração divulgada pela advogada norte-americana Suzette Rasmussen, as mulheres, que optaram por permanecer anônimas, expressaram seu compromisso com a luta contra o tráfico humano e alegaram ter sido submetidas a "assédio sexual, manipulação espiritual, aliciamento e má conduta sexual" enquanto trabalhavam na organização, que conta com o apoio de grupos e líderes extremistas de direita, entre eles o ex-presidente Donald Trump.
A produtora norte-americana Angel Studios, que assina o filme ‘Som da Liberdade’, fez uma larga distribuição gratuita de ingressos para que mais brasileiros fossem aos cinemas. O filme estreou no último dia 21 no país, distribuído em parceria com a produtora Brasil Paralelo, em uma prática utilizada pelo ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, ao popularizar os filmes da cineasta Leni Riefenstahl.
Geralmente, ingressos de filmes podem ser adquiridos gratuitamente na compra de outro produto ou em ações de marketing. No entanto, a produtora de 'Som da Liberdade' não exige qualquer ação para que as pessoas assistam ao filme; basta entrar no site e solicitar o ingresso.
Segundo a produtora, isso é possível porque outra pessoa não identificada teria pago o tíquete. "Um anjo pagou adiantado para que você possa assistir a ‘Som da Liberdade’ nos cinemas gratuitamente", informa o portal ao enviar o código para o ingresso.
Bolsonaro
A sombra da suástica nazista, no país, ganhou terreno durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL) somente comparável ao período da II Grande Guerra. Mobilizados pelo discurso racista, anticomunista, armamentista e LGBTfóbico do agora ex-presidente, grupos radicais de extrema direita e de inspiração hitlerista proliferam nas redes, e até hoje se arriscam a aparecer em pequenos grupos nas ruas com bandeiras, palavras de ordem e, por vezes, violência, agora levada às telas dos cinemas.
O crescimento dessa vertente de ultradireita no país durante o governo Bolsonaro pode ser facilmente quantificado na Internet. Segundo levantamento realizado pela Safernet, organização não-governamental que promove os direitos humanos na rede e monitora sites radicais, em maio de 2020, no auge do governo neonazista brasileiro, foram criadas 204 novas páginas de conteúdo fascista, ante 42 no mesmo mês do ano anterior e 28 em maio de 2018.
Segundo a organização, havia uma relação de causalidade entre o que dizia e fazia o presidente e esta radicalização nas redes. Em nota, a instituição afirmou, à época, ser "inegável que as reiteradas manifestações de ódio contra minorias por membros do governo Bolsonaro têm empoderado as células neonazistas no Brasil”.