Não Olhe para Cima e a ameaça apocalíptica vinda do espaço é apenas uma paródia, mas o perigo que as Big Techs sem regulação representam para a sociedade é a grande realidade escancarada pelo filme.
Por Renata Mielli– de Brasília
O filme é uma sátira que faz uma escrachada denúncia social. Mais do que apenas levar para as telas as consequências de termos países governados por Trumps e Bolsonaros, seguidos por uma legião de negacionistas, Não Olhe Para Cima é uma crítica à mídia e às Big Techs que, ao fim e ao cabo, manipulam de forma determinante o comportamento das pessoas e possuem mais poder do que os Estados Nacionais.Estados Unidos
A partir daí, a trama se desenvolve na cruzada dos dois cientistas para alertar o governo dos Estados Unidos e do restante do mundo sobre a ameaça eminente ao planeta. Os autores desenvolvem sua trama para fazer uma escrachada denúncia social. Que é mais do que apenas levar para as telas as consequências de termos países governados por Trumps e Bolsonaros e por uma legião de negacionistas. O filme é uma crítica à mídia e às Big Techs que manipulam de forma determinante o comportamento das pessoas. A busca por audiência, cliques e popularidade é o que move cada personagem, inclusive o próprio cientista Mindy, que se vê inebriado ao ter mais de 250 milhões de pessoas seguindo o seu “canal” e que se transforma num sex simbol midiático quando a jornalista Brie Evantee (Kate Blanchett) diz que o cientista bonitão pode voltar quando quiser ao seu programa. Cada decisão tomada pela presidenta dos Estados Unidos, Janie Orlean, vivida por Meryl Streep, é calculada para em função de sua imagem. Os jornais praticamente não se importam com a notícia sobre o fim do mundo e continuam dando relevância para escândalos e celebridades na busca por competir com o modelo clickbait, caça click, imposto pela Internet e redes sociais. Apenas a cientista Dibiasky parece perceber o cenário surreal que se estabelece. Ela e o cientista negro Oglethorpe, interpretado por Rob Morgan, são os personagens que representam a racionalidade em toda a trama. Não à toa, são uma mulher e um negro que ocupam esse lugar no filme. Mas se a ameaça que vem do espaço pode ser evitada pela tecnologia desenvolvida na Terra e pela ação dos países, a ameaça que as Big Techs representam pelo seu poder econômico e político não tem oposição. Aliás, quem acaba com o planeta não é o cometa, mas a Big Tech Bash. No início do filme, o lançamento de um novo aparelho celular, o Bash Vida – parece uma barriga, não se encaixa na trama. Peter Isherwell é uma caricatura síntese dos CEOs das Big Techs, um mix de Steve Jobs, Elon Musk, Bill Gates e Mark Zuckerberg. Mas no momento em que entra em curso um plano para destruir o cometa, o dono da Bash reaparece e muda, literalmente, o curso da história da humanidade.Perigoso poder das Big Techs
Na verdade, ele nunca deixou de estar no controle. Ele é a evolução. E o diálogo central da história se desenvolve 1 hora e 24 minutos depois do início do filme, entre Dr. Mindy e Peter Isherwell. É neste momento que os autores jogam na nossa cara o alerta sobre o perigoso poder das Big Techs, pela frase do seu CEO reproduzida abaixo: “Bash tem mais de 40 milhões de dados sobre você, sobre todas as decisões que você tomou desde 1994. Eu sei quando você terá um pólipo no cólon, e você já tem uns 4 ou cinco neste momento. Ainda não são tão preocupantes, mas mesmo assim eu faria um check up quando der. Mas mais importante do que isso é que eu sei o que você é, eu sei quem você é. Meus algoritmos determinaram 8 tipos fundamentais de perfis de consumidor, você é um idealista do estilo de vida. Você acha que é motivado pelas suas convicções éticas, mas você corre na direção do prazer, e foge da dor como se fosse um ratinho. Os nossos algoritmos podem até prever como você vai morrer, com 96, 96,5% de precisão”. O plano da Bash para extrair trilhões de dólares do cometa não dá certo. E apesar do algoritmo ter errado a maneira como Dr. Mindy iria morrer, acertou que a presidenta dos Estados Unidos morreria devorada por um bronteroc, ou seja lá o que isso for. Não Olhe para Cima e a ameaça apocalíptica vinda do espaço é apenas uma paródia, mas o perigo que as Big Techs sem regulação representam para a sociedade é a grande realidade escancarada pelo filme.Renata Mielli, é jornalista, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Secretária-Geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e membro da Comissão de Comunicação do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
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