Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 2024

Justiça suíça liberou Cuca

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Sábado, 06 de Janeiro de 2024 às 17:24, por: Rui Martins


A sanha punitivista com a qual alguns comentaristas esportivos conseguiram, mediante uma campanha na imprensa e nas redes sociais que lembrou os tempos hediondos do macartismo estadunidense e da ditadura militar brasileira, privar um senhor prestes a completar 60 anos do exercício do seu ofício, foi exemplarmente impugnada pelo destino. Bem feito!


Por Celso Lungaretti

O técnico Cuca ganhou na Justiça suíça


Alegavam que, aos 24 anos de idade, o então jogador Cuca haveria estuprado uma menor na Suíça, juntamente com outros atletas da equipe gaúcha do Grêmio. Mas, embora o tivessem à mão, as autoridades helvéticas permitiram seu retorno ao Brasil.




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A grita mais estridente, contudo, só viria a ocorrer depois de 40 passagens posteriores por diferentes equipes, inclusive o Valladolid espanhol


Foi adiante condenado, mas, inexistindo tratado de extradição daquele país conosco, fez longa carreira como atleta e depois técnico, sem nunca ser realmente incomodado, apesar de um ou outro protesto.


A grita mais estridente, contudo, só viria a ocorrer depois de 40 passagens posteriores por diferentes equipes, inclusive o Valladolid espanhol e o Shandong Luneng chinês. Foram letárgicos esses caçadores de escalpos! [Ou seria melhor  os chamarmos de caçadores de holofotes, já que as vítimas de seu patrulhamento cricri invariavelmente são famosas?]


Não levaram sequer em conta o quanto qualquer ser humano muda em 35 anos de existência. A menos de dois meses de tornar-se sexagenário, quando desencadearam a campanha contra ele, Cuca se tornara um inatacável pai de família, que fazia questão de beijar uma medalhinha de Nossa Senhora quando os times por ele dirigidos marcavam gols...


Mais: a condenação do Cuca prescrevera definitivamente em 2004. Ou seja, deixara de existir para fins legais. Então, o verdadeiro crime em 2023 estava sendo cometido por aqueles que incitavam ilegalmente sua estigmatização, inclusive envolvendo as brabas (mas politicamente ingênuas) futebolistas do esquadrão feminino corinthiano nessa campanha de ódio.



E, como eram jornalistas, também incidiam numa péssima prática para profissionais da imprensa, a de divulgarem partes processuais que estavam sob segredo de justiça (na Suíça), obtidas sabe-se lá como, mas inacessíveis a quem quer que tentasse provar que tais imputações eram parcial ou totalmente infundadas. Atiravam pedras contra as quais o cidadão Alexi Stival não podia exercer o seu direito de defesa.


Inconformado, ele constituiu advogados que pleitearam e obtiveram legalmente o acesso às cerca de mil páginas do processo suíço. Passo seguinte, eles requereram à justiça helvética a anulação da sentença, já que não houvera um julgamento, mas sim um linchamento togado: o réu não havia sido defendido por ninguém!

Uma juíza digna da toga fez o óbvio: anulou a sentença e determinou que Cuca recebesse uma indenização por haver tido seus direitos atropelados. Mas, não atendeu ao pedido de um novo julgamento por tratar-se de processo já prescrito. Simplesmente extinguiu-o de vez. Nunca mais poderá ser reaberto.

Qualquer ser humano decente pediria desculpas ao Alexi Stival, quase condenado pelo tribunal da internet a uma aposentadoria precoce, já que preferia continuar trabalhando e havia clubes querendo seus préstimos. No entanto, os patrulheiros até agora só se manifestaram tentando justificar seu procedimento, tendo uma delas chegado ao cúmulo de aventar a possibilidade de a alegada vítima aos 13 anos ter morrido (uns 15 anos depois) como consequência tardia do episódio!!!

Ou seja, ignorando quais as verdadeiras circunstâncias do óbito, especulou com aquela que mais lhe convinha, excluindo todas as outras possíveis e imagináveis! Puro Wishful thinking.


Por último, não vou gastar muitas palavras para explicar meu posicionamento de primeira hora nesse episódio, porque o grande Proudhon já o fez muito melhor do que eu jamais o faria.

Apenas lembrarei a semelhança com uma das muitas ilegalidades cometidas contra o escritor Cesare Battisti, pois a condenação italiana já prescrevera quando sua extradição foi solicitada ao Brasil e, mesmo assim, os inquisidores de lá e daqui sustentaram hipocritamente o contrário, tendo seu entendimento capcioso prevalecido, como era de esperar-se.


Sabendo que esses casos rumorosos acabam servindo de precedentes para outros no futuro, meu real motivo foi o de reafirmar que sentença prescrita não pode ser jamais utilizada para desqualificação orquestrada dos antigos réus.

Preocupou-me o fato de que as brechas que se abrem nas garantias legais para os sentenciados, mais dia, menos dia, acabam sendo utilizadas contra perseguidos políticos do nosso lado.

Afinal, os judiciários brasileiro e europeu são tudo, menos isentos: em última análise, não passam de sustentáculos institucionais para a hegemonia burguesa.

Por Celso Lungaretti, jornalista, escritor, militante de esquerda.


Direto da Redação é um fórum de debates publicado no jornal Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.


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