Por mais que o vetor principal da luta política neste momento seja a crise sanitária, é inevitável que os diferentes atores nela se movimentem com um olho nas eleições de 2022. Nesse ambiente, Bolsonaro vai se isolando cada vez mais e nesses últimos dias o seu governo dá claros sinais de desagregação.
Por Jorge Gregory – de Brasília
Por mais que o vetor principal da luta política neste momento seja a crise sanitária, é inevitável que os diferentes atores nela se movimentem com um olho nas eleições de 2022. Neste cenário da pandemia, tendo como carro chefe a CPI da Covid, a polarização que se estabelece é entre o governo e uma ampla frente em defesa da vida e da vacinação. Nesse ambiente, Bolsonaro vai se isolando cada vez mais e nesses últimos dias o seu governo dá claros sinais de desagregação. Ao mesmo tempo em que o Presidente agredia verbalmente uma repórter e atacava a rede Globo, a convite da emissora o vice-presidente concedia entrevista a Roberto D’Avila na Globo News. No decorrer da entrevista, Mourão admitiu que é escanteado no governo, que está descartada a possibilidade de ser vice na hipótese de candidatura à reeleição e admitiu que houve erros na condução da pandemia. Obviamente, tanto o conteúdo da entrevista quanto sua oportunidade não foram ao acaso. Ambos, Rede Globo e Mourão, tinham objetivos claros e, da parte do vice, era certamente o de demarcar publicamente distanciamento de Bolsonaro. Outro importante sinal de desagregação se dá por ocasião do imbróglio da vacina Covaxin. Na documentação encaminhada pelo Ministério Público à CPI, referente à apuração de possíveis irregularidades no contrato de compra do referido imunizante, descobriu-se o depoimento de um servidor que relatava estar sofrendo pressões de superiores para efetuar a liberação da importação, mesmo não tendo ainda obtido, naquele momento, a autorização da Anvisa. Tendo vindo a público o depoimento, o servidor e seu irmão deputado se apressaram em expressar sua versão, antes mesmo de prestar depoimento na CPI, o que caiu como uma bomba no Palácio do Planalto.Desdobramentos na CPI
Não vem ao caso aqui abordar o assunto específico e seus desdobramentos na CPI, mas o que chamou atenção foi a forma com que o governo reagiu. Tendo sido colocado o próprio presidente da República sob suspeição, foi muito estranho ter vindo o senhor Onix Lorenzoni fazer a defesa, pois seu papel no governo é outro. O secretário-geral da Presidência é uma espécie de organizador da agenda da presidência e articulador da relação com entidades e instituições da sociedade civil. Com uma denúncia de tal magnitude, ou o próprio presidente faz um pronunciamento ou é o ministro-chefe da Casa Civil, como coordenador da ação governamental, que vem a público prestar os esclarecimentos necessários. O ministro-chefe da Casa Civil é general da reserva, assim como Mourão. Seria mera coincidência a omissão de Ramos e a entrevista de Mourão? Nesse governo, no que diz respeito ao casamento entre os militares e Bolsonaro, os dois lados possuem projetos de poder. No entanto, para ambos, foi ficando claro que o projeto de poder de Bolsonaro não é o projeto dos militares e o projeto de poder dos militares não é o projeto de Bolsonaro. Trocando em miúdos, os militares não querem só tutelar o Estado brasileiro, mas governá-lo. Da parte de Bolsonaro, sua perspectiva é de instauração de uma dinastia, sustentada pelos militares. Ou seja, manter-se no poder enquanto puder e, se tiver que transmitir a faixa presidencial, não seria a nenhum militar, mas a um de seus filhos. Esta situação coloca um colossal problema para os militares, ou seja, como manter o seu projeto e se livrar de Bolsonaro. Na caserna, evidencia-se que há aqueles que não querem o divórcio, pois gostaram dos carguinhos que ocuparam, há aqueles que o querem, mas ainda não sabem como conduzi-lo e há os que já se divorciaram, como Santos Cruz e Rego Barros. O caso Covaxin pode ainda fazer outro estrago na base governista. Em seu depoimento, o deputado Luiz Miranda jogou uma isca afirmando que Bolsonaro, quando recebeu a ele e ao irmão, diante da denúncia, insinuara que a falcatrua era obra de um determinado deputado. Miranda se esquivou a dizer de quem se tratava afirmando que não lembrava. Porém, no decorrer da audiência foi ficando claro que se referia a Ricardo Barros e se viu obrigado a confirmar o nome. Diante de tal constrangimento, o senador Eduardo Girão deu sinais de que parte da base bolsonarista pode levar à fritura o líder governista na Câmara, o que pode provocar um racha no Centrão. Em síntese, as crises internas no governo vão se tornando cada vez mais intensas, múltiplas e inadministráveis.As elites
As elites, tendo como porta-vozes o Estadão, Globo e Folha de São Paulo, vinham insistentemente tentando construir uma terceira via que se colocasse como opção competitiva à polarização entre Bolsonaro e Lula. Moro e Huck saíram do páreo e até agora Jereissati não empolgou sequer o PSDB. Mandetta tentou uma cartada chamando uma reunião de vários partidos de centro e centro-direita. Esperava sair do encontro ungido como a alternativa, mas o tiro saiu pela culatra. Não houve unidade, o que levou Fernando Henrique a afirmar publicamente que se não surgisse uma terceira via, iria com Lula. Diante de tais dificuldades, a elite dá sinais de que tentará novamente a mesma estratégia que adotou em 2018. Até 2014 a polarização eleitoral se dava entre PT e PSDB, e neste século sofreram uma derrota após outra. Tentaram então anular o polo à esquerda criminalizando o PT e inviabilizando Lula. Não conseguiram, no entanto, aniquilar o PT e inflaram a extrema-direita, elegendo Bolsonaro. Com o tempo se esgotando rapidamente e diante do insucesso em construir a terceira via, bem como, diante da sólida posição do PT, agora com Lula tendo seus direitos políticos restituídos, parece que partem para a estratégia de anular Bolsonaro, inviabilizando sua candidatura à reeleição, aproveitando o processo de desagregação do próprio governo. Para que esta estratégia seja bem-sucedida, terão que superar duas barreiras. A primeira delas é esvaziar a base de sustentação de Bolsonaro e, pela sinalização de Mourão, os militares, ou parte deles, parecem dispostos a embarcar nessa canoa. As elites precisarão, ainda, atrair pelo menos parcela dos evangélicos e do agronegócio. O outro obstáculo é a inexistência, até o momento, de um nome que unifique, pois mesmo sem Bolsonaro no páreo, se entrarem divididos a vitória do PT será inevitável. Ciro Gomes, que buscava ser a alternativa pela esquerda para enfrentar Bolsonaro se perdeu no seu antipetismo. Anulado totalmente pelo ressurgimento de Lula, busca agora ser a alternativa pela direita. Se antes ele se considerava o único nome a fazer frente a Bolsonaro, agora afirma que Bolsonaro não chega ao segundo turno e que ele é o único nome capaz de fazer frente a Lula. Com seu destempero e movimentos equivocados, perdeu a credibilidade à esquerda e não conquistará a direita. Tende a se afundar cada vez mais. Lula, por sua vez, demonstra ter compreendido algo que boa parte do PT ainda não entendeu. Sabe que se o PT ficar isolado ou apenas em uma frente de esquerda, caso o outro lado se unifique, o risco de derrota será muito grande. Busca dialogar com o centro e com a centro-direita. Até mesmo de Fernando Henrique se reaproximou e não me surpreenderia um encontro dele com Maia nos próximos dias. Mas, enfim, são movimentos das diversas peças neste tabuleiro de xadrez que é a política. Não há nada cravado e em uma situação de crise sanitária, econômica e social como vivemos, os ventos podem mudar da noite para o dia.Jorge Gregory, é jornalista e professor universitário, trabalhou no Ministério da Educação (MEC).
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