Rio de Janeiro, 21 de Abril de 2025

A instabilidade da filantropia no Brasil

Por Amarílis Costa - Justiça social, preservação da Amazônia e defesa dos povos radicalizados não podem estar condicionadas à boa vontade do capital.

Quarta, 19 de Março de 2025 às 09:32, por: CdB

Justiça social, preservação da Amazônia e defesa dos povos radicalizados não podem estar condicionadas à boa vontade do capital.

Por Amarílis Costa – de São Paulo

A recente decisão do governo Donald Trump de desativar a USAID não é um mero ajuste orçamentário, mas parte de uma ofensiva contra populações vulneráveis, movimentos progressistas e políticas de combate às desigualdades na América Latina. O corte em investimentos fundamentais para meio ambiente, direitos humanos e desenvolvimento sustentável visa enfraquecer estruturas que desafiem a lógica neoliberal e neocolonial do capital.

A instabilidade da filantropia no Brasil | Indígenas de várias etnias, que participam do Acampamento Terra Livre 2024, marcham na Esplanada dos Ministérios
Indígenas de várias etnias, que participam do Acampamento Terra Livre 2024, marcham na Esplanada dos Ministérios

Os efeitos da suspensão desses financiamentos já são sentidos no Brasil. Em 2024, a USAID destinou 22,6 milhões de dólares para projetos no País, mais da metade voltada à proteção da Amazônia. Sem esses recursos, iniciativas ambientais, a defesa dos povos indígenas e a economia local das comunidades tradicionais ficam ameaçadas, e os povos indígenas ficam ainda mais expostos ao avanço do garimpo, do agronegócio predatório e das violências estruturais provocadas pelo racismo ambiental. É o caso, por exemplo, de organizações como o Conselho Indígena de Roraima, que atua na defesa dos povos Yanomami.

A suspensão da USAID é parte de um ataque sistemático às pautas progressistas que desafiam a dominação do Norte Global. Trump, ao desmantelar agências humanitárias e atacar políticas de mitigação climática, reafirma sua postura imperialista e busca consolidar a exploração econômica da América Latina, minando tentativas de autonomia do Sul Global. Essa é a face contemporânea do colonialismo: destruir formas de resistência e reforçar a dependência das nações periféricas.

Apesar dos esforços de Trump para interromper a ajuda internacional, a Suprema Corte dos Estados Unidos negou, por uma maioria apertada (5 a 4), o pedido do governo para congelar aproximadamente US$ 2 bilhões em assistência externa. Essa decisão impede, ao menos temporariamente, que o governo siga com sua política de desmonte total da USAID. No entanto, a Corte não estabeleceu um prazo para a liberação dos valores, o que ainda permite que a Casa Branca siga contestando a decisão nas instâncias inferiores.

Trata-se de uma pequena vitória para os movimentos progressistas, mas o fato de não haver um prazo para a liberação dos recursos mostra que a luta contra o desmonte da filantropia ainda está longe de ser vencida.

USAID

O vácuo deixado pela USAID não será preenchido por um Estado brasileiro que, sob governos neoliberais, tem sido conivente com a destruição ambiental e o genocídio indígena. Por outro lado, essa situação evidencia também um problema central da filantropia, enquanto mantém as aparências de auxílio, na verdade, reforça a fragilidade das instituições públicas e desvia o foco das reais soluções para os problemas sociais.

Diante desse cenário, a resposta dos movimentos progressistas deve ser a organização e a busca por alternativas autônomas de financiamento. O fim de certo tipo de filantropia não pode significar o colapso das lutas sociais, mas um chamado à resistência. Delegar esse poder a interesses individuais é arriscado, especialmente em tempos de retrocessos democráticos.

É urgente que filantropias progressistas reorientem suas estratégias para garantir que recursos sejam direcionados a estruturas coletivas e compromissos institucionais com a justiça social. É preciso fortalecer políticas públicas robustas, construir redes de solidariedade entre movimentos populares e pressionar governos para que assumam a responsabilidade pela garantia de direitos. A dependência de recursos externos perpetua a fragilidade das nossas lutas. O caminho para a emancipação passa pela soberania dos povos e pela autonomia dos projetos sociais.

Se Trump tenta sufocar o financiamento de nossas lutas, a resposta deve ser ainda mais forte: a resistência não pode depender da caneta do Tio Sam. Justiça social, preservação da Amazônia e defesa dos povos racializados não podem estar condicionadas à boa vontade do capital. É preciso construir, com urgência, um modelo de financiamento e resistência que não dependa das migalhas lançadas por quem perpetua a exploração.

Este é o momento de reafirmar que o Sul Global não será refém do colonialismo contemporâneo. Enquanto tentam desarticular nossas lutas, fortaleceremos nossas redes. Enquanto nos negam recursos, construiremos alternativas. Nossa resistência não está à venda, e nunca esteve.

 

Amarílis Costa, é advogada, doutoranda em Direitos Humanos na Faculdade de Direito USP, mestra em Ciências Humanas, pesquisadora do GEPPIS-EACH-USP, diretora executiva da Rede Liberdade.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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