Em 1º de maio de 1994, Brasil perdeu não apenas um herói do esporte, mas uma figura idolatrada como poucas em nível nacional. Tricampeão segue sendo considerado por muitos como o maior piloto de todos os tempos.
Por Redação, com DW - de Londres
Manhã de 1º de maio de 1994, 9h16min: foi essa a hora em que o coração de um país inteiro parou. O momento exato no qual o Brasil perdeu um dos seus maiores ídolos esportivos de todos os tempos – e que milhões de brasileiros e fãs de automobilismo jamais vão esquecer.
– Senna bateu forte. Ele vinha em primeiro, escapou e bateu muito forte, ali na Tamburello. Demora para chegar o socorro. Demora absurda para chegar o socorro. Senna está dentro do carro. Mexe a cabeça, Ayrton Senna. Parece ter a consciência. E não chega absolutamente ninguém. Eu não sei onde as coisas vão parar na Fórmula 1. Essa pista, e tudo o que aconteceu aqui nesse dia. É difícil falar – assim narrou Galvão Bueno, com ar premonitório e fúnebre, o instante e os minutos seguintes à batida de Ayrton Senna da Silva, a mais de 210 quilômetros por hora na curva Tamburello, no circuito de Ímola, na Itália.
Era o primeiro ano de Ayrton Senna na Williams, e ele ainda não havia pontuado naquela temporada. Porém, pela terceira vez no ano, o piloto brasileiro marcou a pole position e vinha liderando a prova, quando, na sétima volta, o carro inexplicavelmente passou reto na curva e se chocou com a mureta. O atendimento na pista ao tricampeão mundial durou quase 20 minutos. Foram angustiantes as horas até uma das notícias mais dolorosas que o esporte brasileiro já recebeu: às 13h40, sua morte foi anunciada.
Aquele foi o fim de semana mais sombrio da história da Fórmula 1. Na sexta-feira, durante um treino, Rubens Barrichello colidiu a mais de 300 quilômetros por hora e passou pelo mesmo hospital para onde Senna foi levado. No sábado, o austríaco Roland Ratzenberger perdeu a vida durante o treino classificatório. Na corrida de domingo, além do acidente de Senna, a batida envolvendo J.J. Letho e Pedro Lamy causou ferimentos graves a quatro espectadores. E, em um pit stop desastroso da Ferrari, dois mecânicos foram parar no hospital.
Luto e o adeus ao tricampeão
O Brasil não perdeu apenas um piloto de corridas. A comoção popular com a morte de Senna é um forte indício que o país havia perdido uma figura que ia além da esfera esportiva. Mais de 240 mil pessoas acompanharam o velório, que durou mais de 22 horas. O governo brasileiro decretou três dias de luto oficial, e o sepultamento de Senna teve as honrarias de chefe de Estado, com salva de canhões e sobrevoo de jatos da Força Aérea. As imagens do cortejo com o caixão de Senna por São Paulo são tão impressionantes como angustiantes.
Senna não é idolatrado apenas pelos feitos esportivos. Ele era um alento para um povo sofrido, um herói nacional que elevava a autoestima de um país repleto de problemas. Senna foi um símbolo de perseverança e luta. No automobilismo, carregou a fama de perfeccionista e a reputação de implacável quando sentado no cockpit. Ele explorava seus limites mais do que qualquer outro piloto. Era obcecado em vencer, chegando às vezes a agir sem escrúpulos – como na primeira curva no GP de Suzuka de 1990, quando, segundo colegas de Fórmula 1, deliberadamente causou o acidente com Alain Prost para sagrar-se bicampeão mundial.
E, quando chovia, o Brasil acordava com um sorriso aberto. Senna era um gênio nas pistas molhadas. Memorável como ele pulou de quinto colocado para a liderança na primeira volta da corrida de Donnington, em 1993, conhecida como "a corrida da volta perfeita". "Se você quer saber como foi Ayrton Senna como piloto de corridas, esses 40 segundos definem tudo", conta Martin Brundle, piloto inglês que competiu com Senna por 11 anos.
Fora das pistas, o piloto era católico e costumava ler a Bíblia durante os voos entre Brasil e Europa. Além disso, Senna sempre demonstrou publicamente sua preocupação com a pobreza no Brasil, principalmente com as crianças e a carência de oportunidades. Ele criou o Instituto Ayrton Senna, dedicado à educação e hoje administrado por sua irmã Viviane Senna.
Processo, consequências e homenagens
A fim de identificar a causa do acidente, a Justiça italiana abriu um processo que se estendeu por anos. Em 13 de abril de 2007, determinou que "o acidente foi causado por uma falha da coluna de direção, originada de erros no projeto e modificações mal executadas". A responsabilidade recaiu sobre Patrick Head, projetista chefe da Williams em 1994. Condenado 13 anos após o acidente, ele não foi preso, na Itália homicídio culposo prescreve depois de sete anos e seis meses.
Senna é até hoje o último piloto a morrer em um carro de Fórmula 1. De lá para cá, foram feitas inúmeras mudanças nos carros e no regulamento, a fim de zelar pela segurança dos pilotos. Até algumas pistas tiveram seus traçados modificados e ganharam novas áreas de escape. A traiçoeira curva Tamburello, que em italiano significa "reta torta", virou uma chicane.
Nestes últimos 25 anos, outros pilotos brasileiros tentaram alcançar o sucesso na Fórmula 1. Rubens Barrichello e Felipe Massa chegaram a ser vice-campeões mundiais, mas sofreram bastante com a sombra e o vazio deixados por Senna. De fato, é uma lacuna praticamente impossível de ser preenchida. Em 2019, Ayrton Senna completaria 59 anos de vida.
Ídolo e reconhecimento
Senna correu 10 anos na Fórmula 1 e conquistou três títulos mundiais, 1988, 90 e 91. No período, disputou 161 corridas, chegando ao pódio em 80 delas, 41 vezes em primeiro lugar. Foram 65 pole positions, e ele ostenta o recorde de seis vitórias no lendário circuito de Mônaco.
Veja o que personalidades do mundo da Fórmula 1 disseram sobre Senna:
Lewis Hamilton:
– Eu tinha 9 anos e estava correndo naquele fim de semana. Meu pai estava trabalhando no carro e me lembro dele contando. Fui até o outro lado do carro e chorei copiosamente. As décadas de 80 e 90 foram os grandiosos anos da Fórmula 1. E Senna estava no topo.
Juan Manuel Fangio:
– A Senna pouco importava se a pista estava molhada. O intuito dele era voar e em segundos violar todas as leis da física.
John Watson:
– Nunca tinha visto alguém pilotar daquele jeito. Em plena curva, Ayrton estava freando, reduzindo a marcha, girando o volante, acelerando e mantendo a pressão do turbo.
Michael Schumacher:
– Se você me perguntar, eu colocaria Senna como o número um. Se Senna não tivesse morrido, eu não teria conquistado os títulos de 1994 e 1995 porque ele era melhor .
Fernando Alonso,:
– Eu colocaria Senna como o número um.
David Coulthard,
companheiro de equipe de Senna em 1994:
"Para mim, Ayrton Senna, sem dúvidas, é o número um."
Mika Häkkinen:
– Ele foi com certeza o maior piloto de todos os tempos. Ele foi tão bom porque trabalhou duro até nos detalhes. Ele foi fantástico.
Damon Hill:
– Não tenho dúvidas de que nunca teria sido campeão do mundo se Ayrton não tivesse morrido em Ímola.
Enzo Ferrari,
Fundador da escuderia italiana:
– Eu me recordo de uma volta de Senna em Mônaco que valeu uma placa, a volta mais perfeita que um piloto já fez.
Alain Prost:
– Senna era muito mais rápido que você conduzindo o mesmo carro e tão rápido quanto com um carro inferior.
Ron Dennis, ex-chefe da McLaren:
"O melhor piloto com quem já trabalhei foi Ayrton, e isso não apenas por sua performance na pista, mas por sua amizade e clareza."
Bernie Ecclestone, ex-chefão da Fórmula 1:
"Ayrton teria feito coisas ainda melhores que as que Schumacher conquistou se não tivesse morrido em Ímola. Acho que Michael é super, mas se eles estivessem com o mesmo carro, eu apostaria meu dinheiro em Ayrton."
Martin Brundle, competiu 11 anos com Ayrton Senna:
"Ele tinha um talento divino que não vi em nenhum outro piloto. Um sexto sentido para saber onde estava a aderência da pista. Ele claramente era um ser humano fantástico, que se importava com as pessoas no Brasil e se importava com os pilotos."