Aos 82 anos de idade, o Gilberto Gil ou está tendo lapsos de memória ou não se importa em declarar nas entrevistas aquilo que mais lhe convém no momento atual (e não, necessariamente, a verdade).
Por Celso Lungaretti – editor do blog Náufrago da Utopia
Eu nunca imaginei que um dia iriam me odiar, me xingar. E agora isso acontece o tempo todo, especialmente pela internet.
O acerto de todas as contas se deu no III Festival Internacional da Canção da Rede Globo, que transcorreu em meio a passeatas que degeneravam em batalhas campais, mortes de opositores da ditadura, denúncias de torturas, ações armadas da esquerda, atentados dos grupos paramilitares de direita.
Os nervos já estavam à flor da pele na eliminatória paulista, que teve lugar no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, no dia 15 de setembro. Foi quando os baianos apresentaram composições que faziam uma correção de rumo no tropicalismo. Ao lançarem-no, no ano anterior, pareciam pregar o desengajamento dos jovens da política revolucionária, por que não?
Se eu ficar em casa/ Fico preparando/ Palavras-de-ordem/ Para os companheiros/ Que esperam nas ruas/ Pelo mundo inteiro/ Em nome do amor.
A maior parte da esquerda brasileira via com desconfiança esse anarquismo de classe média do 1º mundo; e com franca hostilidade as roupas coloridas, os cabelos desgrenhados, a utilização das sacrílegas guitarras elétricas.
Preferia os ritmos nativos, do samba carioca à riqueza musical nordestina; e o visual bem comportado, com os intérpretes se apresentando discretamente para não atrapalharem a compreensão da mensagem que os versos transmitiam. Era esta a tendência majoritária na eliminatória paulista.
Mas, é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir este ano uma música, um tipo de música que não teriam coragem de aplaudir no ano passado. Vocês são a mesma juventude que vai sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem.
Quem teve a coragem de assumir a estrutura do festival e fazê-la explodir (…) foi o Gilberto Gil e fui eu.
O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira.Gilberto Gil está comigo pra nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas estruturas. E vocês? Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos.
Afinal, mesmo no auge do circo de horrores bolsonarista, nada ocorreu no front cultural com gravidade equivalente ao espancamento do elenco da peça Roda Viva pelos mentecaptos do Comando de Caça aos Comunistas em julho de 1968.
Gil e Caetano, ademais, foram presos no finzinho de 1968 e presos passaram os primeiros meses de 1969.
Eu ocuparia, em junho, a mesma solitária da PE da Vila Militar na qual um deles se desesperava, submetido a sucessivas humilhações, conforme um velho sargento fazia questão de contar aos recrutas, suficientemente próximo para eu ouvir cada palavra (por Celso Lungaretti)
Celso Lungaretti é jornalista, escritor, militante de esquerda. Foi ativista contra a ditadura militar.
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no jornal Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.