Pesquisa publicada na revista científica Nature mostra que, de 2001 a 2019, habitat da maioria das plantas e dos vertebrados foi impactado pelas queimadas. Estudo liga governo Bolsonaro a aumento dos incêndios.
Por Redação, com ABr - de Brasília
Um estudo internacional com a participação de cientistas brasileiros revelou na quarta-feira que 90% das espécies de plantas e animais vertebrados da região amazônica foram impactados pelas queimadas de 2001 a 2019.
Entre as espécies consideradas ameaçadas de extinção, 85% tiveram grande parte de seus habitats naturais devastados pelo fogo, que, além de causar a morte de animais, transformou os locais onde eles viviam.
Os resultados foram publicados na renomada revista científica Nature e revelam que 150 mil quilômetros quadrados da floresta amazônica foram atingidos por incêndios no período.
Para o estudo, os pesquisadores levaram em consideração 11.514 espécies de plantas e 3.079 espécies de animais vertebrados em toda a extensão da Bacia Amazônica. Observando as tendências dos incêndios e levando em consideração a seca, os cientistas descobriram uma ligação inequívoca entre a atividade humana e o desmatamento.
– Descobrimos que os incêndios e seus impactos estão relacionados aos regimes de política florestal da região – disse Xiao Feng, da Universidade da Flórida, principal autor do estudo, em entrevista à agência de notícias AFP.
No Brasil, onde está localizada a maior parte da Bacia Amazônica, políticas para reduzir o desmatamento foram implementadas em meados dos anos 2000. No entanto, o governo do presidente Jair Bolsonaro tem pressionado cada vez mais para liberar áreas de florestas protegidas ao agronegócio e à mineração. Segundo o estudo, houve um aumento no desmatamento desde que ele assumiu o cargo, em janeiro de 2019.
– O impacto (dos incêndios) foi menor entre 2009 e 2018, mas observamos um aumento em 2019, que coincidiu com o relaxamento das políticas florestais na região – disse Feng.
Sucateamento da fiscalização ambiental
Segundo Danilo Neves, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos autores da pesquisa, o sucateamento dos órgãos de fiscalização ambiental é a principal causa da crescente perda da diversidade de animais e plantas na região.
Neves explica que o estudo considerou três períodos. O primeiro foi de 2002 a 2008, quando a regulamentação e a fiscalização eram pouco efetivas. O segundo, de 2009 a 2015, época em que a fiscalização se tornou mais rigorosa e, em consequência, houve redução no desmatamento e nas queimadas. O último foi de 2016 e 2019, período em que teve início o relaxamento da fiscalização e, portanto, intensificaram-se o fogo e o desmatamento.
– De 2016 para cá, com a diminuição da fiscalização, o cenário só piorou. Como resultado, em 2019, as queimadas ficaram acima da média histórica recente no país – explicou Neves ao site da UFMG.
Os cientistas observam que os últimos quatro meses de 2019 houve menos incêndios do que o esperado. Segundo eles, isso coincidiu com os esforços do governo para intensificar o combate às queimadas, após a grande repercussão internacional negativa das políticas ambientais de Bolsonaro no começo de sua gestão.
– Se a regulamentação e a fiscalização iniciadas em 2009 tivessem sido mantidas, não estaríamos diante da maior média histórica de desmatamento na Amazônia. Devemos resgatar a regulamentação e a fiscalização, restaurar e recuperar as áreas perdidas – revelou Neves.
Como a pesquisa foi feita
Para mostrar o impacto dos incêndios na biodiversidade amazônica, Feng e os demais pesquisadores usaram um vasto banco de dados de espécies de plantas, bem como mapas especializados de habitats animais da União Internacional para a Conservação da Natureza e Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês), entidade responsável por elaborar a lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção.
Com base em estimativas das áreas geográficas de cada espécie, Feng e sua equipe construíram o que descreveram como "o maior conjunto de mapas de distribuição" da Bacia Amazônica.
A sobreposição desses mapas com zonas florestais impactadas pelo fogo, obtidas com base em dados de satélite, revelou um quadro sombrio para a biodiversidade.
A situação deve piorar ainda mais, revela o estudo, à medida que os incêndios passarem do perímetro para o "coração" da Bacia Amazônica.
Causas dos incêndios
O estudo também investigou os fatores que levaram às queimadas, com o objetivo de descobrir se o fogo foi ocasionado pelas secas recentes.
Neves explica que, mesmo levando em conta o aumento recente das secas na Amazônia, que pode contribuir para o fogo, é possível afirmar que o clima mais seco não é suficiente para "explicar o grande aumento das queimadas".
– O que mais explica esse número alarmante de áreas queimadas é o aumento do desmatamento, que se deve ao relaxamento da fiscalização ambiental a partir de 2016 – diz Neves.
Segundo o professor, trata-se de um "efeito cascata", com graves consequências para a biodiversidade da região.
– O aumento do desmatamento implica o aumento das áreas de queimada, e isso reduziu a biodiversidade em escalas locais e regionais. Como algumas espécies têm distribuição muito restrita, esse processo pode até gerar a extinção de plantas e animais. Cada espécie tem um papel fundamental, e sua perda pode culminar no colapso desses ecossistemas – explicou o professor ao site da UFMG.