Rio de Janeiro, 20 de Janeiro de 2025

Faixa de Gaza vive ‘inferno’ à espera de um cessar-fogo

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Terça, 07 de Janeiro de 2025 às 11:39, por: CdB

Enquanto mediadores tentam negociar fim da guerra e libertação de 96 reféns do Hamas, os quase 2 milhões de palestinos deslocados pelo conflito enfrentam uma dura situação, principalmente no norte de Gaza.

Por Redação, com DW – de Gaza

Antes de chegar à Cidade de Gaza, em dezembro do ano passado, a família de Zahra passou 14 meses se mudando de um lugar para o outro, entre Jabalia e Beit Lahia, no norte da Faixa de Gaza, uma região sob cerco militar praticamente deserta e reduzida a escombros, segundo relatos.

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Refugiados palestinos caminham pelo campo de Al Mawasi, no sul de Gaza, após ataque israelense

– A guerra tem sido dura desde o dia um, mas agora parece um inferno – relata Zahra à agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW) por telefone. “Não sabemos se vamos sobreviver ou morrer antes que a guerra acabe.”

Ela, que se abrigou com o marido e cinco filhos em uma casa parcialmente destruída por bombas no campo de refugiados de Shati, na Cidade de Gaza, pediu para não ter seu nome completo revelado.

Apesar de o Exército israelense ter ordenado diversas vezes à população que vá para o sul da Faixa de Gaza, a família de Zahra decidiu ficar no norte, em parte porque eles temiam do contrário não poder voltar para casa.

– Não saímos antes do norte porque sabíamos que havia bombardeios em todos os lugares, e tínhamos esperança que a operação militar no norte terminaria logo. Mas, em vez disso, tornou-se ainda mais insuportável – diz ela. “Nossa casa em Jabalia foi completamente destruída há alguns meses, e agora nos vemos em uma situação de deslocamentos constantes.”

Agências internacionais e governos pressionam Israel e Hamas a aceitarem um acordo que levaria à soltura dos 96 reféns ainda mantidos em Gaza em troca do fim da guerra e da assistência humanitária a civis. Mas não há sinais de paz à vista: no fim de semana, forças israelenses disseram ter atacado mais de cem alvos ao longo da Faixa de Gaza em retaliação a foguetes disparados pelo Hamas.

ONU sobre o norte de Gaza: “As pessoas aqui não têm comida, água, saneamento, nada…”

Por toda a Faixa de Gaza, o tempo frio e chuvoso do inverno tem alagado barracos e outros abrigos improvisados. Organizações humanitárias alertaram repetidamente nas últimas semanas que a ajuda não está chegando em quantidade suficiente às pessoas, em parte devido ao bloqueio de ajuda por Israel e, em parte, devido a saques.

No domingo, a Defesa Civil em Gaza informou que ataques israelenses mataram agentes de segurança que protegiam comboios de ajuda humanitária no sul do território. Também foram relatados bombardeios israelenses em bairros e destruição de prédios residenciais no norte de Gaza, com várias pessoas mortas e feridas.

O Ministério da Saúde de Gaza contabiliza mais de 45,8 mil palestinos mortos desde o início da guerra em Gaza, desencadeada após os ataques terroristas liderados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023.

Jabalia e a área ao norte da Cidade de Gaza voltaram de novo a ser o foco de uma nova ofensiva israelense. As Forças de Defesa de Israel (FDI) alegam que o Hamas e outros grupos militantes estão se reorganizando na área e que as ordens de evacuação para os civis visam mantê-los fora de perigo. No entanto, palestinos e organizações humanitárias afirmam que não há lugar seguro em Gaza e que os deslocamentos constantes estão agravando a situação.

No final de dezembro, uma delegação da ONU conseguiu viajar para o norte da Faixa de Gaza. “As pessoas aqui não têm comida, água, saneamento, nada… Precisamos poder fornecer o básico para a sobrevivência”, afirmou Jonathan Whittall, chefe interino do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários em Jerusalém Oriental, em vídeo publicado no X.

Segundo Whittall, a ONU apelou às FDI 140 vezes nos dois meses que antecederam a visita para tentar levar ajuda à região, sem sucesso.

A Coordenação de Atividades Governamentais nos Territórios, órgão isralense da administração civil-militar responsável pelo acesso a Gaza e ajuda humanitária à região, respondeu via X que “alegações recentes sobre pedidos negados de coordenação humanitária são enganosas”.

Sobraram poucas pessoas no norte de Gaza

A ONU estima que entre 10 mil e 15 mil pessoas permaneçam no norte de Gaza, área sob cerco militar que inclui Beit Lahia, Jabalia e Beit Hanoun, embora os números exatos sejam desconhecidos. Há relatos de que boa parte da região foi evacuada e reduzida a escombros, o que alimenta especulações de que Israel pretende transformar a área em uma zona tampão após o fim da guerra.

As FDI negam a implementação do chamado “Plano do General”, que prevê a expulsão da população do norte de Gaza, rotulando todos os civis restantes como alvos militares e bloqueando o fornecimento de alimentos e suprimentos médicos.

Na semana passada, membros do Comitê de Relações Exteriores e Defesa do Knesset (o  Parlamento israelense) pediram ao ministro da Defesa, Israel Katz, que ordenasse a destruição de todas as fontes de água, alimentos e energia na área, criticando as FDI por ainda não terem derrotado o Hamas.

Moradores relataram já enfrentar uma escassez extrema de alimentos e água, enquanto os constantes bombardeios e tiroteios tornavam qualquer movimento quase impossível, incluindo o acesso aos corredores humanitários para se dirigir ao sul da Faixa de Gaza.

Zahra diz ter conseguido sair de lá com a família e alcançado o campo de refugiados de Shati, no noroeste da Cidade de Gaza. Durante o trajeto, tiveram que passar por um posto de controle israelense. “Fui autorizada a passar com minhas três filhas, enquanto meu marido e dois filhos tiveram que esperar cinco horas antes de também serem liberados”, relata.

Luta por sobrevivência

Matar Zomlot e sua família sobreviveram em Jabalia por um tempo ao longo da guerra, mas eventualmente também tiveram que fugir.

– Havia artilharia e explosões o tempo inteiro, e medo constante – diz à DW por telefone. “Eu costumava pegar comida das casas (abandonadas) no entorno após falar com os donos, que me contavam onde haviam deixado alimentos e enlatados.”

Em dezembro, sob fogo cruzado intenso, Zomlot e sua família conseguiram chegar à vizinha Cidade de Gaza.

– Tínhamos medo de ser alvejados – diz Zomlot. “No dia que decidimos ir embora, saímos à tarde e andamos em direção à Rua Salah al-Din. Havia um tanque, e soldados e que nos pararam. Após conferirem nossos documentos, nos deixaram passar.”

Em vez de seguir para o sul, a família escolheu ficar no norte da Faixa de Gaza. Eles têm parentes na Cidade de Gaza, que lhes deram abrigo.

Mortos ao tentar voltar para o norte, segundo jornal israelense

A Faixa de Gaza agora é dividida pelo Corredor Netzarim, uma estrada com postos de controle militares que atravessa o território de leste a oeste. Palestinos que cruzarem essa via em direção ao sul não podem voltar para o norte.

Segundo relatos de soldados a serviço na região, publicados em reportagem investigativa do jornal israelense Haaretz, vários palestinos desarmados foram alvejados e mortos ao se aproximarem da área para tentar voltar ao norte.

A ONU estima que cerca de 90% dos 2,1 milhões de habitantes de Gaza tenham sido deslocados pela guerra, muitos deles várias vezes. Uma das muitas incertezas que os aflige é se Israel permitirá que voltem para suas casas.

– Não sabemos nosso destino – afirma Zahra. “Não sabemos o que acontecerá a seguir. Mas estamos rezando para que esta guerra acabe logo, e que possamos retornar aos nossos bairros e casas, mesmo que estejam reduzidos a escombros.”

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