Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 2024

Em meio a críticas, seleção brasileira conquistava o tetra há 30 anos

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Quarta, 17 de Julho de 2024 às 11:57, por: CdB

Ao vencer a Copa de 94, Brasil rompeu jejum de 24 anos sem títulos mundiais. Morte de Senna e chegada do Real marcaram meses que antecederam o Mundial.

Por Redação, com DW – de Brasília

A seleção brasileira chegará aos Estados Unidos, em 2026, com a pressão de ter de quebrar um jejum de 24 anos sem vencer uma Copa do Mundo. O cenário da próxima Copa, que dessa vez terá alguns jogos no México e no Canadá, é o mesmo de 1994, quando a seleção conseguiu ganhar o sonhado tetra na terra do soccer.

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Romário levanta taça do tetra ao lado de Dunga (direita)

Há 30 anos, a conquista que tirou o futebol brasileiro da fila de 24 anos sem títulos mundiais marcou uma geração. O pênalti do craque italiano Roberto Baggio subindo pelos céus da Califórnia, seguido dos gritos de “é tetra” que ecoavam nas tevês e nas ruas, entrou para sempre na memória do país.

– Não há seleção brasileira mais atacada e criticada do que a de 1994 – afirma o jornalista Thiago Uberreich, que no mês passado lançou o livro 1994, o Brasil é tetra. Para o livro, o autor entrevistou 15 dos 22 jogadores campeões, além do técnico Carlos Alberto Parreira.

Atualmente treinada por Dorival Júnior, a Seleção ainda precisa garantir a vaga para a Copa de 2026, mas o Brasil jamais ficou de fora da maior competição de futebol do mundo. Recentemente, também nos EUA, a Seleção foi eliminada da Copa América nas quartas de final, após perder nos pênaltis para o Uruguai.

– O período que a Seleção enfrenta hoje é um período muito complicado, talvez o pior de todos os tempos – opina Uberreich, que também é autor de Biografia das Copas e de três livros sobre os títulos do Brasil nas Copas de 1958, 1962 e 1970.

Nas eliminatórias para a Copa de 1994, a Seleção perdeu sua primeira partida na história da competição, em La Paz, contra a Bolívia, causando uma enorme crise no futebol brasileiro. No ano passado, três derrotas seguidas na mesma competição, fato inédito, sendo uma delas o primeiro revés em casa na história, não causaram a mesma repercussão.

– Há uma crise de identidade. Várias vezes a gente ouve os amigos falando que, quando estão vendo um jogo da seleção, na hora do hino nacional eles não reconhecem os jogadores – diz o autor.

Curto período de grandes mudanças

Naqueles meados de 1994, o Brasil viveu um período de acontecimentos marcantes em um curto espaço de tempo. Em 19 de abril, a morte precoce do craque Denner, num acidente automobilístico, seguido pela também chocante e inesperada morte de Ayrton Senna, 12 dias depois, impactaram o país.

– Na mesma semana da morte de Senna, o Brasil fez um amistoso e Zinho comemorou um gol fingindo que estava dirigindo um carro – lembra Thiago Uberreich. A partida terminou com a vitória da Seleção por 3 a 0 contra a Islândia, três dias após a tragédia em Ímola, com o país de luto.

Em 1° de julho, entrou em vigor o Real, a nova moeda do país, pondo fim ao flagelo da hiperinflação que, entre idas e vindas, assolava a economia desde a ditadura militar. Durante a transmissão da estreia da Seleção na Copa, contra a Rússia, em 20 de junho, o narrador Galvão Bueno divulgou um 0800 para tirar dúvidas sobre a chegada do Real.

Após a final, em 17 de julho, com o tetra garantido, foi a vez do narrador Luciano do Valle destacar a importância da vitória esportiva e dizer que o país agora esperava uma virada política e econômica. “Houve uma mistura muito grande da economia e da política com o futebol naquela época”, observa o autor.

– Fernando Henrique Cardoso, que era o candidato do presidente Itamar Franco, disse num discurso que o Plano Real foi tão competente quanto a seleção brasileira e que o governo dele também seria tão competente quanto – completa Uberreich.

Ministro da Fazenda responsável pela implantação do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso já havia deixado o ministério quando a moeda entrou em circulação, para poder concorrer à presidência na eleição de outubro, vencida por ele.

Faz, Bebeto!

Classificada como líder do grupo, a Seleção foi encarar os donos da casa nas oitavas de final, no dia 4 de julho, data da independência dos Estados Unidos.

No forte calor de Stanford, o Brasil ficou com um a menos depois que o lateral-esquerdo Leonardo se desvencilhou do meia Tab Ramos, que o segurava, com uma cotovelada que o nocauteou. Apesar de imediatamente arrependido, Leonardo foi expulso, enquanto Tab Ramos foi levado ao hospital. No mesmo dia, recebeu uma visita e um pedido de desculpas do brasileiro.

A expulsão dificultou a vida da Seleção, que viu a eliminação rondando até que entrasse em ação o seu grande diferencial: a dupla Bebeto e Romário. Quando o passe do baixinho chegou aos pés do camisa 7, os narradores Galvão Bueno, Luciano do Valle e Luiz Alfredo, que faziam a transmissão por Globo, Bandeirantes e SBT, disseram a mesma coisa, numa súplica sincronizada: “Faz, Bebeto!”.

– Esperava que você desse uma pancada forte, eu já saí preparado – disse o goleiro Tony Meola a Bebeto, que contou a história em entrevista ao Charla Podcast, em 2023.

Em vez de encher o pé, Bebeto deu um toque precioso na bola, fazendo-a rolar lânguida para caprichosamente tocar e derrubar uma garrafinha de água que estava encostada na bochecha da rede, subindo até tocar sua costura, no ângulo, tirando um peso dos ombros do time e garantindo a vaga para as quartas de final.

Após o jogo, um flagra do atacante Müller gesticulando com o técnico Parreira gerou a especulação de que o titular das Copas de 1986 e 1990 estivesse cobrando uma vaga no time, mas na verdade ele estava botando panos quentes nos xingamentos que o lateral-esquerdo Branco fez ao treinador.

– Quando eu vi aquela cena, eu cheguei: ‘professor, deixa o Branco pra lá, ele tá viajando na maionese, ele tá chateado, vamo pra próxima’ – disse Müller no Deu Zebra Cast, em 2022.

Branco se irritou porque Parreira preferiu improvisar Cafu na lateral esquerda após a expulsão de Leonardo, em vez de colocar ele em campo, que era o reserva imediato, mas voltava de contusão. “Depois eles tiveram uma reunião e Branco pediu desculpas”, conta Uberreich.

Contagem regressiva para o tetra

Branco foi decisivo contra a Holanda, marcando o gol que classificou o Brasil para a semifinal com sua “bomba santa” numa cobrança de falta. O jogo ficou marcado pela famosa comemoração do gol de Bebeto, que homenageou o nascimento de seu filho Mattheus como se embalasse um bebê, com a companhia de Romário e Mazinho na coreografia.

Sem o mesmo destaque, a comemoração já havia sido feita no segundo jogo, contra Camarões, em homenagem ao filho de Leonardo.

Coordenador técnico da Seleção, o supersticioso Zagallo começou uma contagem regressiva de jogos antes do início da competição. “Faltam sete, nós vamos chegar lá”, dizia. Após a vitória sobre a Holanda, o Velho Lobo estava mais agitado do que o de costume. “Só faltam duas! Queiram ou não, vamos chegar lá”, disse à época Zagallo, que ainda levou a bola do jogo para casa como um troféu.

– A vitória contra a Holanda foi uma vitória pessoal dele por causa da derrota em 1974 – explica Uberreich, lembrando da eliminação do Brasil para a Holanda quando Zagallo era o treinador.

Na semifinal, o Brasil venceu a Suécia, com quem havia empatado na fase de grupos, graças a um gol de cabeça de Romário, eleito o melhor jogador da Copa. A Seleção voltava a uma final que não alcançava há cinco Copas, ou 24 anos. O adversário, a Itália, também tentava o tetra.

– A Itália estava quebrada. A própria seleção brasileira estava estafada também – diz o autor. A final no Rose Bowl, em Pasadena, começou às 12h30 locais, uma característica daquela Copa que, para atender interesses de transmissão, realizou jogos em horários de intenso calor.

Em campo, o Brasil foi melhor e teve chances de ganhar a partida, mas a Itália conseguiu levar a decisão para os pênaltis.

– Eu quis chutar rasteiro, praticamente à sua direita, mas não sei por que ela subiu tanto. Talvez tenha sido Senna que pôs a mão. Para superar essa decepção e essa amargura eu digo sempre que foi a mão de Senna no caminho – falou Roberto Baggio na série Romário, o cara, lançada este ano, respondendo a uma pergunta em italiano do goleiro Taffarel, que na época da Copa jogava no Reggiana, da Itália.

Na comemoração em campo, os jogadores ergueram uma faixa e uma bandeira em homenagem a Senna. Dunga ergueu a taça e eternizou-se como capitão do tetra, posto que passou a ocupar durante a Copa, depois que o camisa 10, Raí, capitão habitual do time, perdeu a titularidade.

– Raí chegou à Copa mal fisicamente, cansado. Ele falou para mim: ‘eu tava há três anos sem férias, cheguei na Copa do Mundo numa descendência’ – explica o autor.

A euforia pelo título, estampada na imagem de Galvão Bueno, Arnaldo Cezar Coelho e Pelé abraçados e gritando “é tetra”, estendeu-se pelo Brasil. O presidente Itamar Franco decretou ponto facultativo no dia seguinte, embora muitos torcedores já tivessem decretado feriado nacional por conta própria.

– Essa conquista foi uma injeção de ânimo na economia e no cidadão. É claro que o futebol não resolve as mazelas brasileiras, mas aquilo mexe com as pessoas. A Copa do Mundo é uma catarse coletiva, mexe com o sentimento e a autoestima de um país – encerra Thiago Uberreich.

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