Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 2024

Eleição na Argentina e o triunfo da extrema direita

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Segunda, 27 de Novembro de 2023 às 10:06, por: CdB

Com os holofotes colocados nas medidas de campanha do novo presidente eleito (que, se efetivadas, configurarão um verdadeiro programa de alienação nacional), a referida data comemorativa testemunhou um novo consenso eleitoral dos argentinos.


Por Leonardo Granato – de Brasília


Em 19 de novembro de 2023, paradoxalmente às vésperas do dia comemorativo à soberania nacional, foi eleito na Argentina, no segundo turno das eleições presidenciais, o candidato da extrema direita Javier Milei (A Liberdade Avança).




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Extrema direita elegeu Milei e Villarruel como presidente e vice da Argentina

Com os holofotes colocados nas medidas de campanha do novo presidente eleito (que, se efetivadas, configurarão um verdadeiro programa de alienação nacional), a referida data comemorativa testemunhou um novo consenso eleitoral dos argentinos.


O triunfo de Milei, com quase 56% dos votos, contra o peronista Sergio Massa (União por Todos), chama à reflexão, ainda que com as limitações próprias de todo exercício reflexivo realizado ao calor dos acontecimentos.


Com perfil caricatural e disruptivo, o mandatário eleito autodefinido “liberal” e “libertário” já veio avançando desde antes da pandemia de covid-19 no fortalecimento de um movimento de extrema direita ligado à centralidade que a mesma corrente vem tendo nos EUA, na Europa, e na nossa região.


Distanciando-se da direita tradicional representada pelo macrismo e sem qualquer experiência política e de gestão anterior, Milei obteve 17% dos votos para deputado nacional nas eleições legislativas de 2021, liderou as eleições primárias do mês de agosto com 30% dos votos, e ficou 6 pontos atrás de Massa no primeiro turno das eleições gerais de outubro.


Adepto à postura subserviente das vontades do mercado, Milei se elegeu defendendo formas extremadas de abertura comercial e desregulamentação financeira, a retomada das privatizações, o fechamento do Banco Central, e a dolarização da economia. Assimilando o Estado a uma espécie de “banditismo” organizado, para o autodeclarado “anarcocapitalista” o Estado é o inimigo e deve ser desmantelado.



Efetivação da liberdade


Tal desmantelamento se apresenta, no seu discurso, como condição para efetivação da liberdade completa individual e do mercado. Diz que seu programa será uma “motosserra” para cortar o gasto público, em particular o social, e os impostos. Segundo ele, a política social não deve centrar-se no bem-estar da população, mas no capital humano, e tal entendimento deve guiar boa parte do enxugamento da máquina pública. Propõe, também, em política externa, o realinhamento automático do país aos EUA. Por meio desse discurso, durante a campanha Milei canalizou o inconformismo de alguns setores do poder econômico com o tom moderado do neoliberalismo do macrismo.


O presidente eleito soube alimentar-se dos fracassos da direita tradicional (particularmente do governo Macri), vocalizando as pretensões por parte de setores das classes dominantes, principalmente o financeiro, referentes à retomada, como solução à crise do país, de uma agenda ortodoxa na economia pautada pelo ajuste fiscal, pelo controle salarial, pela reconcentração primário-exportadora e pela abertura irrestrita ao capital estrangeiro. Frente a uma crise econômica duradoura e ao fracasso das respostas da centro-direita e do peronismo apela-se a um receituário neoliberal mais extremado.


Milei também soube aproveitar a frustração e o desencanto dos setores populares com a degradação social que o país enfrenta, e que o progressismo governamental do governo Fernández não conseguiu solucionar. Inflação superior a 140%, aumento da dívida externa, queda dos salários e aumento do desemprego, pobreza atingindo mais de 40% da população, um Banco Central sem reservas, e a implementação de políticas de ajuste exigidas pelo Fundo Monetário Internacional como condição para novos empréstimos são expressão do referido cenário de crise que permeou a contenda eleitoral.


Provavelmente, tal cenário tenha sido um dos fatores que limitaram a campanha eleitoral de Massa ao voto “útil” contra a potencial regressão de diretos representada pela eventual implementação do programa do seu adversário, ao invés de também chamar a atenção para os avanços da própria proposta do candidato peronista.



Estratégia eleitoral


Construindo a sua estratégia eleitoral sob a premissa do esgotamento do macrismo e do kirchnerismo, Milei aproveitou-se do descontentamento social para captar votos contra a “casta política”, representada pelos dirigentes políticos tradicionais, além de empresários vinculados ao Estado, sindicalistas e formadores de opinião do “sistema” (por Milei considerados como “parasitas coletivistas”).


Combinando uma narrativa hiperindividualista de “vida, liberdade e propriedade privada” com a denúncia da referida “casta”, o presidente eleito foi conseguindo captar, por meio de amplo ativismo na mídia e nas redes sociais, o voto “anti-establishment” ou “antipolítica” de amplos setores da população, mas, principalmente da população mais jovem e precarizada das classes populares.


Entretanto, após o primeiro turno, apoiado por Macri e por Patricia Bullrich (parte daquela “casta” que tanto havia criticado), observou-se um Milei preocupado em moderar os níveis de radicalidade do seu discurso e passar a expressar, assim, o voto “anti-kirchnerista”, em favor de um eleitorado mais amplo.


Frente à vitória de Milei, uma questão que se coloca diz respeito a quanto do “discurso radical” será traduzido efetivamente em um programa governamental, assim como aos “termos” e “velocidade” de implementação de tal programa. Ao depender dos parlamentares e dos governadores da linha dura do macrismo para alcançar níveis mínimos de governabilidade, além de uma base social que sustente as medidas, tal questionamento torna-se fundamental. Por sua vez, como se reestruturará a oposição política?


O grau de resistência dos sindicatos, movimentos e organizações da sociedade civil também é uma preocupação. Será que a reação popular poderá enfrentar as estratégias de repressão e contenção social do Estado? Com, possivelmente, novas leis de segurança, defesa e inteligência, a repressão social, como demandam as direitas autoritárias, pretende ser brutal. Não surpreende, nesse cenário, a defesa da ditadura militar, concebida pelo presidente eleito e pela sua vice como uma “guerra” contra subversivos de esquerda.


Para encerrar, no seu discurso depois de eleito, Milei reforçou o caminho da “revolução libertária” por ele proposta destinada a “abraçar o modelo da liberdade para voltarmos a ser uma potência mundial”, e salientou: “hoje começa o fim da decadência da Argentina”. O novo ciclo está só começando, a incerteza para o país vizinho é grande e os desafios são múltiplos, muitos deles, inclusive, com amplas repercussões para o Brasil. Por ora, devemos aguardar.


 

 

Leonardo Granato, é professor da UFRGS e coordenador do Núcleo de Estudos em Política, Estado e Capitalismo na América Latina (NEPEC).


As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil




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