Criadouro de visons na Espanha registrou surto de H5N1. Isso pode indicar que o vírus se adaptou a mamíferos e pode ter se tornado perigoso para seres humanos.
Por Redação, com DW - de Berlim
Tudo começou em outubro do ano passado, com vários visons mortos em uma granja na Galícia, na Espanha. A princípio, os veterinários acreditaram que o causador seria o coronavírus, como aconteceu na França e na Dinamarca em 2020.
No entanto, os testes revelaram que o causador das mortes foi o vírus da gripe aviária H5N1, altamente patogênico. Como resultado, tiveram que ser mortos os mais de 50 mil visons do criadouro. Os próprios trabalhadores da fazenda não foram infectados, mas o caso preocupa os cientistas.
Qual o perigo no surto de gripe aviária entre visons?
A disseminação do vírus de aves para outras espécies animais em si não é novidade. O patógeno da gripe aviária, também conhecido como peste aviária, foi encontrado repetidas vezes em mamíferos, como guaxinins, raposas e focas, mas esses foram casos tão isolados como as poucas vezes em que pessoas foram infectadas pelo vírus.
Nos casos conhecidos até o momento, os animais ou humanos foram contaminados por meio de excrementos de aves infectadas ou de suas carcaças, relata Timm Harder, do Friedrich Loeffler Institute (FLI), que faz pesquisas de saúde animal. Harder dirige o laboratório alemão de referência para a influenza aviária, como a gripe aviária é chamada no meio científico.
– Em contraste com essas infecções individuais, no caso dos visons, o vírus pode ter passado de animal para animal, e isso é uma novidade. Nas fazendas de visons, os animais são mantidos em grande número confinados em um espaço reduzido, o que favorece o processo de infecção nestes mamíferos muito suscetíveis.
Os pesquisadores detectaram mutações no patógeno que ataca os visons. "Um deles faz com que o vírus possa se multiplicar melhor em mamíferos", diz Harder. Esta poderia ser uma primeira adaptação aos visons, e, portanto, aos mamíferos. "Isso é incrivelmente preocupante", escreveu Tom Peacock, virologista do Imperial College London, na revista científica Science. Para ele, este é "um mecanismo claro de como pode começar uma pandemia de H5".
A gripe aviária pode se tornar nova pandemia humana?
Até agora, muitos casos de humanos que contraíram o vírus H5N1 por meio do contato com pássaros transcorreram de forma leve. No entanto, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 457 dos 868 casos de infecção pelo H5N1 em humanos conhecidos mundialmente de janeiro de 2003 a novembro de 2022 terminaram em morte.
Mas, "a partir das informações disponíveis, é considerado baixo o risco representado por esse vírus para a população em geral. E, para pessoas expostas devido à profissão, como baixo a moderado", avalia a OMS.
De acordo com Timm Harder, alguns vírus da influenza aviária de alta patogenicidade (HPAIV, do nome em inglês), como a gripe aviária, têm um potencial aumentado para causar novas zoonoses. Zoonoses são doenças infecciosas que podem ser transmitidas de animais para humanos e vice-versa. Mas "ainda parece haver inúmeros obstáculos para uma maior adaptação aos humanos", observa Harder. "O vírus que apareceu nos visons na Espanha agora deve ser examinado mais de perto para avaliar as possíveis adaptações."
Como um vírus inofensivo ficou perigoso
Há muito se sabe que as aves aquáticas são animais hospedeiros dos vírus da gripe, diz Wolfgang Fiedler, ornitólogo do Instituto Max Planck de Comportamento Animal. No entanto, esses vírus originais da influenza eram apenas ligeiramente patogênicos, ou seja, menos prejudiciais e menos contagiosos. Os animais não ficavam doentes ou apenas muito levemente. "É provável que todo pato selvagem tenha tido gripe aviária em algum momento de sua vida."
Mas se esses vírus, que são inofensivos para as aves selvagens, atingem grandes viveiros de criação, segundo Fiedler, eles encontram milhares de indivíduos semelhantes e se espalham muito rapidamente, e o vírus pode sofrer mutações a cada transmissão.
E foi isso que aconteceu. O resultado foi o surgimento das cepas de vírus altamente contagiosas H5N1 e H5N8. Elas provavelmente se originaram em granjas avícolas no leste da Ásia, de acordo com o Grupo de Trabalho Científico sobre Influenza Aviária e Aves Selvagens, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Lá, enormes bandos de patos são mantidos na natureza e levados para os campos de arroz para comer, diz Fiedler. Esses patos criados tiveram contato com pássaros selvagens e foram infectados. E então o processo de mutação começou. "E se patos são mantidos junto com porcos, por exemplo, essa é uma forma de criação que torna um vírus desses muito feliz."
Aves selvagens ou indústria avícola impulsionam gripe aviária?
De acordo com o Grupo de Trabalho da ONU sobre Influenza Aviária, os surtos de peste aviária altamente patogênica "geralmente se espalham pelo comércio de aves contaminadas, produtos avícolas e itens que estiveram em contato com os animais". Nesse meio tempo, aves selvagens também passaram a desempenhar um papel na propagação da doença.
Isso porque o vírus recém-surgido e altamente contagioso das cepas H5N1 e H5N8 foi transmitido para aves selvagens por meio de aves de fazenda infectadas, relata Harder. O patógeno agressivo agora está sendo transmitido de forma cada vez mais eficaz para várias espécies de aves selvagens. Os vírus poderiam então se espalhar por grandes distâncias pela migração de pássaros.
O ornitólogo Fiedler também confirma que tais casos existem. Mas que também há outras cadeias de infecção que nada têm a ver com a migração das aves. "Quando um pato está muito doente, ele não voa mais longas distâncias." Mas então pode haver contágio nas proximidades. "Por exemplo, quando alguém pisa nos excrementos de um ganso ou pato infectado e os leva para uma granja."
Que danos causa a gripe aviária?
De acordo com a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA, do nome em inglês), a epidemia de gripe aviária em curso é a maior observada na Europa até o momento. Entre outubro de 2021 e setembro de 2022, 50 milhões de aves de criação tiveram que ser abatidas em 37 países. Mais de 3,8 mil detecções de vírus HPAI foram contadas em aves selvagens. E o número de casos não relatados provavelmente é bem maior.
Até o momento, a gripe aviária ocorreu principalmente no outono e inverno europeus. "Agora o vírus também circula entre aves selvagens nos meses de verão", diz Harder, lembrando que os animais chocam seus ovos juntos em grandes colônias, condições ideais para a propagação do vírus. Espécies como andorinhas-do-mar, corvos-marinhos e gansos-patola foram particularmente afetadas. "Os efeitos disso só se tornarão aparentes na primavera e no início do verão [europeus]."
Segundo Harder, pela primeira vez a onda de gripe aviária atingiu também a América do Sul no outono. Peru, Venezuela, mas também Equador e Colômbia foram afetados. Mais de 240 pelicanos mortos foram encontrados em Honduras somente nesta semana.
Harder está preocupado que o vírus possa se espalhar da América do Sul para a Antártica, colocando em perigo as populações de pinguins. Além da Antártica, a Austrália é a única região ainda não afetada pela pandemia de gripe aviária.
Que proteção existe contra a gripe aviária?
Como a EFSA explicou à agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW), está sendo desenvolvido um protótipo de um sistema de alerta precoce com o objetivo de prever o risco de vírus HPAI serem introduzidos por aves selvagens. A partir dele, poderia ser criada uma rede de monitoramento para aves selvagens em toda a União Europeia.
Além disso, estão sendo examinadas a disponibilidade de vacinas contra HPAI e possíveis estratégias de vacinação. Os resultados devem sair no segundo semestre.
Apesar do surto agudo entre as aves, Harder vê um raio de esperança de que a ampla disseminação do vírus possa promover imunidade em aves selvagens. Anticorpos já foram encontrados em animais vivos.