Rio de Janeiro, 22 de Novembro de 2024

Cuba, a esquerda e o pragmatismo político (1)

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Sexta, 16 de Julho de 2021 às 04:53, por: CdB

A melhor definição para o pragmatismo político, numa só palavra, é oportunismo.  Pragmatismo se traduz na ação de se fingir que se aceita alguma situação objetivando-se alcançar outra situação; é uma ação tática dentro de uma estratégia definida. Como todo oportunismo, cessada a oportunidade, surge a verdade que se esconde por trás da ação pragmática.

Por Dalton Rosado, do Náufrago da Utopia
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O que ainda resta em Cuba do Guevara que foi ao Congo e à Bolívia lutar pela revolução anticapitalista mundial?
Há quem defenda o pragmatismo como o meio justificando o fim. O problema é que, de tanto agir mentirosamente, o pragmático se acostuma com a mentira; e alcançado o objetivo-mor. ele continua contaminado com o vírus da dita cuja, que o vai destruindo aos poucos.
Era pragmática a Nova Política Econômica de Lenin, por ele lançada quando ainda estava vivo e no poder, apesar do crescente agravamento da enfermidade que o levou à morte precoce aos 54 anos de idade (sete anos após a revolução bolchevique).
Ao adotar uma política de flexibilização das relações de produções capitalistas, aceitando-as sob pretensa fiscalização estatal proletária, o grande revolucionário russo estava respondendo a situações concretas:
— a contrarrevolução renitente sustentada pelos guardas brancos, com financiamento de agentes internacionais e nacionais capitalistas ou monárquicos feudais, que poderia tornar-se uma alternativa de poder caso o novo governo frustrasse as esperanças que despertara;
— a queda da produção intencionalmente patrocinada pelos antigos empresários capitalistas e latifundiários russos que detinham o saber empresarial e aristocrático; e
— a fome do povo russo, causadora de insatisfação popular que minava a revolução.
Esta foto dá o que pensar: por que condenarmos a priori o inconformismo dos cubanos, semelhante até no visual àquele que saudamos entusiasticamente em 2019...
Com a NEP, Lênin teve êxito em amenizar a crise econômica. Se, com sua reconhecida habilidade e jogo de cintura, ele conseguiria solucionar o problema e retomar a linha inicialmente traçada em direção ao comunismo, jamais saberemos, de vez que morreu ainda durante o início do processo de construção do chamado socialismo real.
Com sua morte veio a ascensão de Josef Stalin que, assumindo o controle de tudo (do Comitê Central, do partido único e do governo), passou a destituir e a afastar (inclusive com a eliminação física) a velha guarda bolchevique, inclusive Leon Trotsky, o comandante da tomada de poder em 1917 e criador do Exército Vermelho, além de intensificar o processo de estatização empresarial sob critérios capitalistas de produção social.
Houve, sim, avanço social na Rússia, que não passava de um país camponês sob os czares, com incipiente desenvolvimento industrial (concentrado em São Petersburgo) e que se mantinha à margem dos avanços do capitalismo mundial: no pós-revolução desenvolveu-se industrialmente, alfabetizou e educou seu povo (a Rússia dos czares era um país de analfabetos), a ponto de conseguir fazer frente à Alemanha na 2ª Guerra Mundial.
...quando dos grandes protestos chilenos contra a política econômica neoliberal? Aliás, a repressão desembestada em ambos os países também foi das mais semelhantes.
Mas, passado este primeiro momento em que o pragmatismo revolucionário russo teve alguns efeitos positivos, o uso do cachimbo entortou a boca, com o desenvolvimento inicial sendo gradualmente minado pelas regras capitalistas totalitárias de produção social. Assim, a Rússia foi voltando a estar tecnologicamente defasada em relação ao mundo e acabou aderindo ao capitalismo internacional de mercado, tornando-se um país capitalista.
A conclusão óbvia é que o pragmatismo russo sucumbiu ao totalitarismo das relações capitalistas de Estado, e terminou por abrir suas fronteiras ao mercado internacional. A contrarrevolução burguesa triunfou sorrateiramente graças ao pragmatismo.
A história se repetiu com a China, e paramos por aqui na citação desses dois exemplos históricos fundamentais.
Cuba é capitalista de Estado. Os trabalhadores que enrolam as folhas de tabaco e produzem a apreciado charuto de Havana, são explorados pela extração de mais-valia tanto quanto um trabalhador de uma fábrica de cigarros em qualquer país capitalista do mundo.
O que ainda resta em Cuba do Guevara que foi ao Congo e à Bolívia lutar pela revolução anticapitalista mundial?
A sensibilidade humanista (mesmo que se considere parcial, pois os opositores do regime são calados e tratados como traidores) de fato existe em Cuba: os negros cubanos de longe diferem das trágicas condições sociais dos negros da América Central e do Caribe,
Mas, não pode sobreviver com a cabeça dos seus dirigentes focada num plano ao mesmo tempo anticapitalista e que mantém práticas capitalistas, cercada por um mundo totalmente capitalista.
Em que pesem os embargos econômicos estadunidenses, que de fato causam grandes carências ao povo, a insatisfação em Cuba é cada vez mais volumosa e reflete a necessidade de adotarmos mundialmente uma relação de produção fora da disfuncional lógica capitalista lá remanescente sob uma forma política estatizante, ora flexibilizada pelas circunstancias pragmáticas.
A revolução, ou é mundial ou nada é! (porDalton Rosado, advogado, escritor,  membro da equipe do blog Náufrago da Utopia)
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no jornal Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.
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