De acordo com a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Cléo Manhas, o “começo” de Brasília “deu o tom para o que somos hoje”. Para ela, a desigualdade é um aspecto presente no território desde a construção da cidade.
Por Redação, com Brasil de Fato - de Brasília
Construída para ser o centro do poder e das decisões sobre o país, Brasília completou 62 anos na quinta-feira. A capital federal, marcada por seus monumentos, pelo céu de cores fortes e pelos ipês que colorem a cidade é notada também pelo abismo da desigualdade social e econômica entre as 33 regiões administrativas do Distrito Federal.
De acordo com a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Cléo Manhas, o “começo” de Brasília “deu o tom para o que somos hoje”. Para ela, a desigualdade é um aspecto presente no território desde a construção da cidade, “que já chegou tomando conta de um espaço, como se vazio fosse, desconhecendo os que aqui já viviam e suas histórias”.
A assessora explica que houve uma segregação populacional entre “os que vieram construir a cidade, priorizando os altos funcionários, para os quais eram oferecidas moradia, condições dignas e muitas vezes privilegiadas em detrimento daqueles que foram jogados para as periferias. Governos depois de governos não tomam medidas estruturantes, que realmente atuem na redução das desigualdades existentes”.
A partir do Mapa das Desigualdades do Distrito Federal, produzido pelo Inesc e o Movimento Nossa Brasília, o Instituto elaborou o documento “Agenda 10 DF”, que aponta as enormes desigualdades que abrem fossos entre as chamadas regiões nobres e as cidades periféricas, e traz recomendações que visam diminuir as distâncias social e econômica entre a população.
O Índice de Gini, um parâmetro internacional que mede a desigualdade na distribuição de renda de um território, indica que o Distrito Federal ocupa a segunda posição no ranking de desigualdade econômica em comparação com outros estados, atrás apenas de Sergipe.
Mais pobres, mais desiguais
Segundo o documento do Inesc, a pandemia de covid-19, aliada à negligência do papel social do Estado, provocou um alargamento das desigualdades na capital federal.
Entre os dez setores mais críticos analisados pelo Instituto, estão o trabalho e renda, educação, saúde, tratamento de esgoto, abastecimento de água, equidade racial e mobilidade urbana.
No que se refere ao trabalho e renda, o levantamento frisa que apesar das desigualdades estruturais estarem acentuadas agora, elas são anteriores e “têm forte expressão espacial”.
Enquanto no Lago Sul o rendimento médio mensal é de R$ 8,3 mil; em Samambaia, Recanto das Emas, Itapoã, Santa Maria, Varjão, Paranoá, Riacho Fundo II e Estrutural, a renda média é menor que um salário mínimo, que em 2022 passou para R$ 1.212.
– Houve uma discreta melhora com relação à criação de novos postos de trabalho, fazendo com que o desemprego caísse de 16,8% para 16,1%. No entanto, isso não se dá por medidas governamentais, mas devido ao declínio significativo das taxas de contaminação e morte por covid-19, fazendo com que as vagas em serviços se ampliassem. No entanto, ainda é um índice muito alto e afeta, especialmente, jovens e pessoas com baixa escolaridade – destaca Cléo Manhas.
Para ela, a maior parte das ações para mitigação dos efeitos provocados pela pandemia vem da própria sociedade. “Organizações da sociedade civil, coletivos, que se organizaram para ações de solidariedade. Já o GDF (Governo do Distrito Federal) pouco fez e, apesar de ter saído na frente com as medidas sanitárias necessárias, na sequência passou a agir de forma negacionista, impulsionado pelo governo federal”, explica.
Educação
A pandemia da covid-19 impactou diretamente o setor da educação, escancarando as desigualdades como o acesso à internet e a equipamentos digitais. Com a impossibilidade dos encontros presenciais nas unidades de ensino foi necessária a ampliação e desenvolvimento de ferramentas de ensino remoto que utilizam principalmente a internet como instrumento para a prática pedagógica.
Com a implantação da modalidade virtual, as diferenças ficaram mais evidentes. No Lago Sul, 83% das casas possuem notebook e celular pós-pago, enquanto na Estrutural menos de 17% contam com notebook e duas em cada dez pessoas contam com celular pós-pago.
A Internet banda larga está presente em mais de 90% das residências do Lago Sul (91,6%) ao passo que está em menos de 40% da Estrutural (37,6%) e da Fercal (33,6%).
O estudo indica que com acessos diferenciados à educação dificilmente as taxas acentuadas de evasão escolar, não-alfabetização e escolaridade reduzida serão combatidos. “Por isso é urgente e emergencial garantir equipamento e internet para todas as crianças e adolescentes das periferias e da zona rural do DF”, recomenda.
Saneamento básico
Nas regiões onde há ausência do Estado, como Estrutural e Fercal, o tratamento de esgoto e o acesso à água ainda está longe de ser universalizado. Ameaça constante, especialmente para crianças e idosos, de doenças.
Embora existam regiões administrativas plenamente atendidas por saneamento, outras têm índices abaixo do aceitável, de acordo com o Inesc. Enquanto no Sudoeste quase todos os domicílios são atendidos pela rede geral da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB), na Fercal esse número chega a apenas 19% dos domicílios da cidade.
– Três em cada dez domicílios da Fercal convivem com esgoto a céu aberto. Além da Fercal, Sobradinho II conta com saneamento em menos da metade de seus domicílios e a Estrutural com 62% atendidos reforçam a urgência de se resolver o problema.
Como consequência, o esgotamento a céu aberto é de 31,8% na Fercal e 25,2% na Estrutural, enquanto em regiões como Águas Claras, Lago Sul, Sudoeste/Octogonal, Park Way o índice é zero. “A falta de um atendimento estatal neste setor faz com que as soluções comunitárias improvisadas surjam”.
Em relação ao abastecimento e acesso à água, outro ponto crítico de desigualdade é notado. Na Estrutural somente um terço das ruas principais possuem rede pluvial e na Fercal, pior ainda, somente um décimo. Cada habitante do Lago Sul gasta em média 371,33 litros de água por dia. Na Estrutural, cada habitante gasta 61,4 litros. “É uma desigualdade abissal” destaca.
Recomendações
Diante das desigualdades analisadas, o Instituto recomendou dez ações emergenciais para a redução das discrepâncias sociais e econômicas tão visíveis na cidade.
Dentre elas estão, a garantia da chegada da coleta seletiva em todas as Regiões Administrativas (RAs) do Distrito Federal a partir da contratação de cooperativas de catadores, assegurar que a rede pública de esgoto atenda domicílios com esgotamento à céu aberto e fossas rudimentares, atender todas as crianças e adolescentes da zona rural do DF com equipamento e internet.
Além disso, propõe a garantia imediata de mais recursos orçamentários e financeiros para a saúde pública, bem como, a disponibilização de marcadores de território e de raça e gênero no Orçamento Público “para sabermos quanto está sendo destinado exclusivamente para população negra e para mulheres”.
A assessora política do Inesc, Cléo Manhas, relata que das recomendações ao GDF, não houve avanço em nenhum setor.
Ela explica que a discrepância entre centro e periferia continua com relação a todas as políticas, “mas saneamento é ponto central, pois em muitos lugares ainda se tem esgoto a céu aberto e falta de distribuição de água, como o caso da Santa Luzia, na Estrutural, denunciado na Agenda10”.
– Saúde e educação nem se fala, há muitas denúncias sobre a condução de hospitais importantes, como é o caso do Base, que trocou profissionais com alta qualificação por profissionais em início de carreira ou sem experiência em trauma, contratados com menores salários, para cuidarem do hospital referência, que está pedindo socorro. Com relação à educação, há problemas de vagas, escolas que precisam de reformas, queda de recursos entre 2020 e 2022, falta de medidas de proteção para estudantes e professores, falta de planejamento que permita visualizar o caminho para diminuir as perdas do período de estudo remoto. Ou seja, o cenário não é agradável – conclui.
O GDF aprovou em janeiro uma receita de R$ 48,543 bilhões. Com um montante 9,8% maior que o período anterior. A saúde e a educação, que teve uma redução de 3,44% no orçamento, ficarão com R$ 3,27 bilhões do total.
Para o Inesc, as recomendações ao governo não são um fim, mas o começo de uma caminhada na direção de um Distrito Federal mais justo e equânime, caminho que exige prioridade política, destinação de recursos orçamentários para efetivação de políticas públicas e participação popular.
– Esperamos que os poderes públicos distritais se abram para essas e outras reivindicações populares, priorizando o que efetivamente importa para quem vive e constrói o Distrito Federal.