O governo avalia que um argumento a favor da mudança de posição brasileira é que outros países com mercado interno de grande porte se recusam a oferecer acesso amplo a estrangeiros. É o caso da China e da Índia.
Por Redação, com Poder360 - de Brasília
O governo brasileiro trabalha em nova proposta sobre acesso a compras governamentais a ser apresentada para a UE (União Europeia). O tema é o principal empecilho pelo lado do Brasil para o fechamento do acordo de livre comércio entre o Mercosul e o bloco europeu.
O impasse fez o Mercosul cancelar reunião presencial que seria realizada até a próxima sexta-feira com o principal negociador da UE, Rupert Schlegelmilch, em Buenos Aires (Argentina). A partir de julho, a presidência do bloco sul-americano será do Brasil e as reuniões passarão a ser em Brasília.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) rejeita a ideia de ampla abertura do mercado de compras governamentais para os europeus. A proposta havia sido feita em 2019 pela equipe do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Mercosul e UE fecharam um pré-acordo, mas as negociações foram suspensas por causa da pandemia.
Os países do Mercosul podem apresentar propostas diferentes para compras governamentais aos europeus. Por isso, o capítulo de compras governamentais está sendo rediscutido por iniciativa do Brasil. Os demais países do bloco, Argentina, Paraguai e Uruguai, não estão envolvidos diretamente nesta parte das negociações.
Há divergências no governo sobre o que o Brasil deve propor. A equipe do MGISP (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) defende limitar o acesso a fornecedores de outros países para evitar que empresas brasileiras sejam prejudicadas e que as diretrizes da nova Lei de Licitações estejam presentes. Também quer que acordos internacionais não ditem políticas econômicas nacionais.
O MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria Comércio e Serviços) quer uma proposta que não seja tão restritiva aos europeus. Avalia que isso poderia impedir ou atrasar muito a assinatura do acordo de livre comércio.
Mesmo no MDIC, porém, a avaliação é que de o Planalto e o MRE (Ministério das Relações Exteriores) tendem a defender uma restrição maior ao que foi apresentado pelo governo anterior.
Contraproposta do Brasil
A contraproposta do Brasil deverá ter foco em três pontos: pequenas e médias empresas, ficariam com acesso preservado nas compras do governo federal. Um modo de fazer isso é por meio de margens de preferência nas licitações. Empresas brasileiras de pequeno porte podem vencer mesmo com propostas, por exemplo, 20% acima das concorrentes. O percentual teria que ser negociado; saúde, as compras do SUS estão parcialmente no acordo. O governo quer excluí-las totalmente; compensações, o Brasil quer ampliar os chamados off-sets, em que uma empresa se propõe a oferecer benefícios em troca de acesso ao mercado. Um exemplo de off-set tecnológico seria fazer um centro de pesquisa no país.
O governo avalia que um argumento a favor da mudança de posição brasileira é que outros países com mercado interno de grande porte se recusam a oferecer acesso amplo a estrangeiros. É o caso da China e da Índia.
Atualmente, o Brasil tem apenas um acordo de compras governamentais: com o Chile. Mas a capacidade do país vizinho de atuar no mercado brasileiro é pequena e, por isso, não chega a prejudicar qualquer política nacional. É visto também como uma forma de fortalecer a região latino-americana.
Em contrapartida, o governo atual considera que a União Europeia teria grande influência nas compras brasileiras e, por isso, enxerga a renegociação como uma proteção da política de reindustrialização do país.
Novas exigências
O Brasil tem a seu favor o fato de que os europeus também têm novas exigências, portanto estariam dispostos a negociar. A UE apresentou neste ano uma carta com novas exigências ambientais ao Mercosul.
Lula disse em Paris na última quinta-feira que a carta é “inaceitável”. No sábado, o presidente afirmou, ainda na capital francesa, esperar que uma decisão sobre o assunto seja tomada até o fim de 2023. Há um entendimento no governo de que os europeus tendem a aceitar a nova oferta.
– Nós precisamos fazer o acordo com a União Europeia. E a União Europeia precisa fazer o acordo com o Mercosul, com a América do Sul e com a América Latina, porque a União Europeia não pode ficar, sabe, sendo a fatia de mortadela entre a nova guerra fria entre Estados Unidos e China – disse Lula no sábado.
Diplomatas europeus, no entanto, consideram que o tom usado pelos brasileiros tem sido pouco favorável à negociação. Avaliam que os impasses poderão impedir o assinatura do acordo em 2023.
A mídia francesa tem apontado perda de soft power do Lula, com menor capacidade de conquistar simpatia na Europa e em outros países. Isso deverá dificultar as discussões do acordo de livre comércio. O texto terá que ser aprovado depois pelo Legislativo de cada país da Europa e do Mercosul.