Com rachaduras e cupinzeiros, estrutura inutilizada abriga rejeitos de mineração próximo a epicentro do desastre que deixou 270 mortos em janeiro. Em ação contra empresa responsável, MP diz que situação é preocupante.
Por Redação, com DW - de Brasília
Numa das saídas da rodovia Fernão Dias, principal ligação entre São Paulo e Belo Horizonte, o acesso à barragem B1-a, no município de Brumadinho, é cheio de obstáculos. Apesar de curto, o trecho até a estrutura só pode ser percorrido com um veículo 4x4, e não é livre de riscos. O abandono é visível não só na estrada e na antiga portaria: trincas estão expostas em toda a barragem, que acumula rejeitos de mineração e está coberta por água.
O lugar pertence à Emicon Mineração e Terraplanagem Limitada, registrada nos nomes dos sócios Sérgio Duarte e Genuíno Soares Duarte. Sob responsabilidade da empresa estão ainda uma outra barragem, chamada Quéias, e dois diques, B3 e B4. Não está claro quando a exploração do minério de ferro foi encerrada e a empresa se retirou dali.
O que se sabe é que a situação é preocupante, como atesta um laudo da Defesa Civil ao qual à agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW)teve acesso. "As barragens e as estruturas encontram-se em total situação de abandono", conclui o documento, citando ainda as várias rachaduras, árvores, cupins e formigueiros nas estruturas.
O complexo fica a poucos quilômetros do epicentro da tragédia que matou 270 pessoas em janeiro último em Brumadinho. Na ocasião, a barragem de rejeitos I da Vale se rompeu e liberou cerca de 12 milhões de metros cúbicos de lama no ambiente, contaminando rios, matando animais e vegetação e forçando sobreviventes a se mudarem.
No caso da Emicon, um rompimento tem potencial de causar danos numa proporção semelhante. Os rejeitos poderiam arrasar comunidades logo abaixo da estrutura, causar mortes, interromper pelo menos três trechos da rodovia Fernão Dias e contaminar o sistema de água rio Manso, que abastece a Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Sem atestado de estabilidade
A pedido da DW, Carlos Barreira Martinez, especialista em barragens da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) avaliou as fotos feitas durante a reportagem que mostram a situação da barragem.
– Há pelo menos uma trinca muito evidente com vegetação interna, além dos cupinzeiros – comenta Martinez sobre os pontos mais visíveis. "É assustador e preocupante."
Segundo Martinez, a inconformidade é gritante. "As raízes da vegetação infiltram na estrutura, criam canais internos que podem dar início à passagem de água e o efeito de ruptura", diz sobre os riscos. "São necessárias ações urgentes por parte do Estado e do proprietário. É preciso descomissionar a barragem", opina Martinez, ressaltando a importância de uma visita técnica ao local e realizações de ensaios para um diagnóstico preciso.
No banco de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), o documento mais atual disponível para consulta informa que há "vistorias planejadas" nas estruturas B1-a, diques B3 e B4 da Emicon em Brumadinho.
O alarme soou depois que a empresa responsável não entregou à agência o resultado da chamada Inspeção de Segurança Regular, em que o empreendedor atesta a segurança da barragem. O prazo venceu em março último.
Foi então que o Ministério Público de Minas Gerais entrou com uma ação contra a Emicon. O processo cita uma nota técnica emitida pela ANM que diz ser "inegável que a situação deste conjunto de barragens é de extrema preocupação pelo seu caráter de abandono e que são necessárias várias ações para trazê-las para uma condição de segurança e conforto para a sociedade e meio ambiente".
Segundo o documento, a B1-a não é de alteamento a montante - modelo que ruiu em Brumadinho, da mineradora Vale, e em Mariana, da Samarco, em 2015. Ainda assim, não há garantias.
"Embora sejam barragens de construção mais robustas, por não serem construídas por alteamento a montante, a segurança de todas elas não estão garantidas, sendo necessário o início imediato dos planos de ações propostos para cada uma das barragens constantes dos relatórios de Inspeção de Segurança Regular (...)”.
Proximidade perigosa
No relatório feito após a inspeção de técnicos da Defesa Civil, a recomendação dada ao Ministério Público é que órgão solicite medidas urgentes. Segundo o documento, a indicação é que os moradores sejam retirados imediatamente da área que seria atingida pela inundação de rejeitos em caso de rompimento até que a Emicon tome as medidas para garantir a estabilidade das barragens.
– A gente avaliou que a barragem não possui plano de emergência. Teremos que usar o plano de emergência da barragem a montante para instalar placas, sirenes, ver como estão as estruturas abaixo dela – explica Lucas Romário Lara, chefe da Defesa Civil de Brumadinho, à DW.
A barragem a montante à qual Lara se refere fica poucos metros acima da estrutura abandonada da Emicon, está em funcionamento e acumula rejeitos da Mineração Morro do Ipê. O trajeto até a área da antiga Emicon é feito, aliás, por dentro dessa mineradora.
Questionada pela DW, a Mineração Morro do Ipê disse que "não tem qualquer relação com a barragem da Emicon e apenas viabiliza o acesso ao local para as vistorias". "Todas as barragens da Morro do Ipê são consideradas estáveis e monitoradas diariamente", informou em nota.
Ainda segundo a empresa, quando suas atividades começaram nas minas Ipê e Tico-Tico, em 2016, a Emicon já tinha sua barragem instalada no terreno vizinho.
Embora a Emicon esteja registrada num endereço em Belo Horizonte, ninguém da empresa foi localizado para comentar o assunto até o encerramento desta reportagem.