Donald Trump voltou ao poder prometendo estancar a guerra no leste europeu rapidamente, mas desenrolar dos acontecimentos mostra que a aposta na violência bélica permanece.
Por Redação, com CartaCapital – de Kiev
A guerra entre Rússia e Ucrânia ganhou um capítulo ainda mais dramático com o aumento significativo de bombardeios russos na última semana. A investida do Kremlin, que matou doze pessoas e feriu dezenas ao usar quase 370 mísseis e drones contra o território ucraniano, mostra que as negociações por um cessar-fogo entre os dois países parecem mais uma ilusão do presidente norte-americano Donald Trump, entusiasta do estancamento do conflito, do que uma possibilidade real.

O ataque do último final de semana foi o maior desde que a guerra começou, ainda em fevereiro de 2022. O que também mereceu destaque na ação foi a extensão territorial dos bombardeios: segundo o presidente Volodymyr Zelensky, os mísseis e drones russos atingiram mais de trinta cidades e vilas ucranianas.
Diante do morticínio, Zelensky criticou a Casa Branca por uma suposta postura omissa em relação a Putin. “O silêncio dos Estados Unidos, o silêncio de outros no mundo, apenas encoraja” o presidente Vladimir Putin. “Sem uma pressão verdadeiramente forte sobre a liderança russa, essa brutalidade não pode ser interrompida. Sanções certamente ajudarão”, disse o ucraniano.
Do ponto de vista norte-americano, o tom é de frustração e raiva em relação a Putin. Invertendo os afagos que vinha fazendo ao presidente russo desde o início do ano, quando era entusiasta de uma proposta de paz vista por Kiev como mais favorável ao Kremlin, Trump foi às redes sociais na última segunda-feira 26 para dizer que Putin teria ficado “completamente louco“.
– O que diabos aconteceu com ele? Ele está matando muita gente – questionou o republicano. “Ele ficou completamente louco. Ele está matando muita gente desnecessariamente, e não estou falando só de soldados”, afirmou Trump. Para o presidente dos EUA, há um limite para Putin, e essa linha vermelha está justamente no desejo do russo de conquistar todo o território ucraniano.
– Eu sempre disse que ele [Putin] quer toda a Ucrânia, não apenas parte dela, e isso pode ser verdade, mas, se ele fizer isso, levará à queda da Rússia – avaliou o republicano.
A tensão europeia
A Europa ainda não sinalizou a favor de novas sanções para a Rússia, mas, temerosa do ímpeto bélico de Moscou, quer devolver na mesma moeda. Para isso, a Alemanha reconhece que os aliados ocidentais da Ucrânia não deverão mais impor limites ao emprego de armas de longo alcance contra o território russo.
– Não há mais restrições no alcance das armas entregues para a Ucrânia, nem pelo Reino Unido, nem pela França ou nós. Não há também restrições pelos Estados Unidos – disse na segunda-feira o premiê Friedrich Merz.
– Isso significa que a Ucrânia pode se defender, por exemplo, atacando posições militares na Rússia. Até recentemente ela não podia fazer isso, à parte de algumas poucas exceções – complementou Merz, mostrando uma postura contrária àquela que o seu sucessos, Olaf Scholz, tinha sobre o tema. Merz e Zelensky vão se encontrar na próxima quarta-feira 28 em Berlim.
Por dentro da Rússia
A postura irredutível da Rússia, que sempre se mostrou reticente à ideia de acolher uma proposta efetiva de cessar-fogo, também se motiva por questões internas. Um eventual acordo de paz com a Ucrânia faria a Rússia ter que enfrentar, sem rodeios, as consequências do fim do estado de guerra em que se encontra a sua própria economia. Em outros termos, isso envolveria reorganizar a vida civil, agora calejada pelas tantas sanções impostas por outros países do mundo.
Além disso, a própria manutenção da Rússia na guerra, com os territórios ucranianos já conquistados, e aqueles que não foi possível conquistar, é uma âncora para a sustentação do governo Putin. Internamente, um eventual acordo de paz poderia ser visto como o reconhecimento de que o Kremlin não foi capaz de estrangular a Ucrânia como, de início, gostaria.
Ao longo desses mais de três anos de guerra, foram centenas de homens russos convocados às pressas para atacar a Ucrânia e deter os ataques ucranianos ao território russo. Todo esse poderio militar, aliado à onipresente propaganda do governo Putin sobre a guerra, enraizou no imaginário russo a sensação de que um conflito dessa natureza não poderia terminar sem um domínio total do país vizinho.
O Kremlin, porém, não apenas insiste na manutenção do estado atual das coisas – haja vista os ataques recentes, como sustenta sua retórica com provocações à Europa. Nesta terça-feira, ao tratar dos ataques, a Rússia acusou a própria Ucrânia de frustrar as negociações de paz com bombardeios “provocativos”. Segundo Moscou, a Europa “participa indiretamente” da guerra.
De acordo com o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, foi a Ucrânia (apoiada pela Europa) que intensificou os ataques aéreos, minando as chances de um acordo pelo fim da guerra.
– Kiev, com o apoio de alguns países europeus, tomou uma série de medidas de provocação para frustrar as negociações iniciadas pela Rússia – disse Peskov, se mostrando contrariado com os comentários feitos pelo premiê alemão.
– Vemos que a Europa participa de forma indireta, com o fornecimento contínuo de armamentos, os mais diversos sistemas de armas e munições, e isso constitui uma participação indireta na guerra contra a Rússia – sinalizou o porta-voz russo. Diante desse quadro complexo, as custosas, e frágeis, tratativas por paz vão, cada vez mais, dando lugar à realidade mortal da guerra.