Com mais de 1,5 milhão em fuga da invasão russa, ministra alemã do Interior quer "salvar vidas, isso não depende do passaporte". Estação de trens de Berlim é prova viva da onda de solidariedade aos refugiados da Ucrânia.
Por Redação, com DW - de Berlim
A Alemanha receberá todos que estejam fugindo da guerra na Ucrânia, não importa sua nacionalidade, declarou a ministra do Interior Nancy Faeser ao semanário Bild am Sonntag: "Queremos salvar vidas, isso não depende do passaporte." Segundo ela, o presente esforço europeu conjunto para acolhimento dos refugiados seria "histórico".
A declaração da política social-democrata chega entre relatos, inclusive das Nações Unidas, de que indivíduos não brancos teriam sofrido tratamento racista e xenófobo nas fronteiras, ao tentar escapar do conflito armado iniciado pela Rússia. Mas Berlim quer mudar essa narrativa, a começar por sua estação ferroviária central.
Lá, milhares de refugiados da invasão na Ucrânia estão sendo recebidos por voluntários e cidadãos anônimos, recebendo ajuda, alojamento, bens essenciais e algum conforto. Eles chegam aos milhares, a cada dia, muitos trazendo pouco mais de uma mochila, levando crianças pela mão ou no colo.
Comum a todos é o cansaço acumulado de muitas horas de viagem e de incertezas sobre o presente e o futuro. A sua espera estão centenas de voluntários, muitos dos quais ainda trazem a crise migratória de 2015 bem presente na memória.
A dedicação dos voluntários
Logo na fachada, a estação no centro berlinense ostenta as cores da bandeira ucraniana, cartazes e símbolos pintados de azul e amarelo indicam o caminho para o piso inferior. Uma parte do edifício foi transformada e adaptada à chegada dos refugiados procedentes da Polônia.
É o caso de Natalia, que traz a filha pela mão, seu marido, irmão e pai ficaram para trás, para combater pelo país. A família é de perto de Radekhiv, entre as cidades de Lutsk e Lviv, ela trabalha numa escola. Ela fez uma pausa em Varsóvia, onde ficou com um familiar, e neste domingo vai seguir com sua criança para o sul da Alemanha, onde uns amigos as hospedarão.
– Estou cansada até para falar. Tento não chorar mais, para não preocupar a minha filha, mas sinto uma tristeza muito grande, não dá para explicar. Tenho sorte, porque conheço algumas pessoas, mas só penso em voltar para a minha casa – conta Natalia.
De colete amarelo fluorescente, Tatijana, de origem russa, vem oferecer ajuda. É seu primeiro dia como voluntária na estação de trens da capital alemã. Ela conta que hoje tantos se ofereceram a ajudar, que muitos tiveram de voltar para casa.
– Eu não podia ficar simplesmente sentada em casa sem fazer nada. Não conseguia. Estou ajudando porque falo a língua. Quando chegam, tento perceber do que precisam e encaminhá-los para o melhor local – relata à agência de notícias Lusa.
População oferece alojamento em Berlim
No interior do edifício da central ferroviárias estão bem definidas as várias ajudas disponíveis para os que chegam. Há um ponto para carregar os telefones celulares, outro com bebidas quentes e alimentos, uma zona com roupa em cabides e calçados alinhados no chão, outra com mantas e agasalhos.
Com tantas crianças entre os refugiados, uma grande torre com fraldas também se destaca, em outra área de apoio. Ainda dentro da estação, há voluntários ajudando com o idioma e centenas de cidadãos comuns pé, num corredor, com cartazes feitos à mão oferecendo alojamento.
"Três a quatro camas na nossa casa para uma família pequena com duas crianças e uma mulher, por vários meses ", lê-se num cartão. Muitos dos que oferecem casa não falam russo nem ucraniano, mas acreditam em outras formas de comunicação.
Entre os que disponibilizam alojamento, está Aleksei, de Omsk, uma das maiores cidades da Sibéria. Vivendo sozinho em Berlim, ele registrou seu apartamento numa plataforma de alojamento temporário para os refugiados ucranianos, e oferece um sofá-cama para um ou dois viajantes, por várias semanas.
– Não sei como é que a guerra vai terminar. Ficou claro que o plano de (presidente russo Vladimir) Putin falhou e que está indo na direção errada. Eles esperavam uma 'vitória-relâmpago' ou uma 'operação especial', como dizem os jornais russos. Em vez disso, receberam uma resposta firme do povo ucraniano – reforça o voluntário.
Sua mãe é de Donetsk, na província de Donbass, no leste ucraniano, desde 2014 cenário dos choques entre as tropas de Kiev e forças separatistas pró-russas. "De uma coisa estou certo: esta guerra vai deixar muita gente necessitada de ajuda. Seja quem foge da Ucrânia, seja quem teve de ficar", lamenta Aleksei.
Desde que, na madrugada de 24 de fevereiro de 2022, a Rússia lançou sua ofensiva militar contra três frentes na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeios em várias cidades, as autoridades de Kiev já contabilizaram mais de 2 mil civis mortos, incluindo crianças.
"É só o começo, o número de refugiados vai aumentar"
As horas vão passando na estação central de Berlim, e mais um trem da Polônia está para chegar. Por um alto-falante improvisado, uma das voluntárias vai dando orientações aos colegas. Todo mundo que chega deve ser ajudado, sem ter que apresentar passaporte, independente da nacionalidade, sexo, cor ou idade.
Ao fim de mais um dia, ouvem-se palmas e o suspiro de alívio dos que estão ali há horas tentando ajudar. "É só o começo, o número dos refugiados deve continuar a aumentar", assegura Tatijana, tendo concluído o primeiro dia da sua missão como voluntária.
A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula em mais de 1,5 milhão o atual total de refugiados ucranianos na Polônia, Hungria, Moldávia, Romênia e outros países. Só na Alemanha, eles já ultrapassariam os 30 mil, segundo os cálculos oficiais.
Em 3 de março, a União Europeia aprovou a concessão de Proteção Temporária para os refugiados, que poderão permanecer nos países do bloco por até três anos sem ter que solicitar formalmente asilo. Segundo o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) trata-se da crise migratória de crescimento mais rápido na Europa, desde a Segunda Guerra Mundial.