Há quem esteja interpretando o pronunciamento de Bolsonaro na semana passada como um recuo. Que diante da pressão exercida pela CPI e das manifestações de rua ocorridas no penúltimo sábado, finalmente passou a se comportar como presidente, rendendo-se à necessidade de vacinação e outras medidas de enfrentamento à crise pela qual o país atravessa.
Por Jorge Gregory – de Brasília
Há quem esteja interpretando o pronunciamento de Bolsonaro na semana passada como um recuo. Que diante da pressão exercida pela CPI e das manifestações de rua ocorridas no penúltimo sábado, finalmente passou a se comportar como presidente, rendendo-se à necessidade de vacinação e outras medidas de enfrentamento à crise pela qual o país atravessa. Em primeiro lugar, ainda que pudéssemos admitir que algum avanço houve, o que aprendemos nesses dois anos e em especial por ocasião do seu pronunciamento na Cúpula do Clima, discurso de Bolsonaro, não vale absolutamente nada. É apenas encenação. Escorado no anúncio de que a economia teve um crescimento de 1,2% no primeiro trimestre do ano e no acerto com a Conmebol de fazer a Copa América no Brasil, tentou transmitir otimismo e, principalmente, dizer que o resultado da economia representa o acerto da condução política que vem aplicando. Ou seja, de se contrapor a toda e qualquer medida de enfrentamento à crise sanitária para preservar a economia. Para passar a ideia de que teve preocupação com o combate à pandemia, tenta apresentar como grande novidade a produção da vacina AstraZeneca em solo brasileiro de ponta a ponta, em todas suas etapas. A resposta aos ares de estadista que tentou transmitir, ou foi convencido a tentar fazer, recebeu o maior, mais abrangente e mais ruidoso panelaço desde o início de seu governo. O pronunciamento não convenceu e não surtirá os efeitos que ele espera. A cada depoimento na CPI, é uma avalanche de desmoralização do governo. Desmoralização pela mesquinhez de suas formulações, fundamentadas na opinião de pessoas absolutamente despreparadas. Desmoralização pela total incompetência em conduzir qualquer política. Até mesmo os depoentes arrolados pela tropa de choque bolsonarista, que supostamente deveriam dar sustentação ao governo, estão sendo um verdadeiro desastre. Tentam sustentar o insustentável e desmentir o inegável.Mandetta e Teich
Nos depoimentos de Mandetta e Teich ficou absolutamente claro que como ministros da Saúde não tinham nenhuma autonomia e sequer eram ouvidos. O mesmo ocorreu com Pazuello, mas este era apenas um cumpridor de ordens. Ambos deixaram evidente que quem orientava Bolsonaro nenhuma relação tinha com o Ministério. As orientações técnicas e embasadas na ciência eram desprezadas, enquanto outras fontes o convenciam da teoria da imunidade de rebanho e do uso da cloroquina. Estas outras fontes, entre elas Nise Yamagushi, segundo Mandetta, chegaram a sugerir a mudança da bula da cloroquina. Após o depoimento de Queiroga, esperava-se que o de Barra Torres, Presidente da Anvisa, fosse na mesma linha de tentar preservar Bolsonaro. Tido como amigo e até mesmo participado de manifestação em frente ao Palácio do Planalto ao lado do Capitão, o Almirante surpreendeu, em especial ao confirmar a tentativa de alteração de mudança da bula da cloroquina, sugerida por Nise Yamagushi. Não foi uma bomba o depoimento como um todo, mas desgastou bastante o governo. No depoimento de Fabio Wajngarten começou a ficar claro o completo descaso com que o governo tratou a questão da obtenção de vacinas. Mais, que as negociações com a Pfizer começaram a se efetivar totalmente à margem do Ministério da Saúde. Começou, igualmente, a ficar mais que evidente a real existência de um gabinete paralelo que de fato definia a política sanitária, ou a inexistência dela.A vacinação
Seguiu-se o depoimento do diretor da Pfizer, Carlos Murillo. A narrativa de Wajngarten se confirmou e, mais do que isto, revelou que o Brasil poderia ter iniciado a vacinação ainda em dezembro, simultaneamente ao início em países como a Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, se o governo tivesse empreendido um mínimo de empenho em negociar os imunizantes com o laboratório norte-americano. As propostas apresentadas simplesmente não foram respondidas. No depoimento de Dimas Covas a sociedade tomou conhecimento que a mesma situação ocorreu com a Coronavac, pois caso o governo federal tivesse firmado contrato, também deste laboratório teríamos imunizantes em dezembro. Poderíamos, com essas condições, estar neste momento com perto de 30% da população com 2 doses e facilmente atingiríamos os 50% até agosto. Os depoimentos de Mayra Pinheiro e Nise Yamagushi foram verdadeiros desastres para o governo. Mostraram o total despreparo daqueles que orientavam Bolsonaro. Apresentadas como respeitáveis profissionais da saúde, mostraram-se como pessoas que não têm a menor noção do que é conhecimento científico ou que desprezam totalmente a ciência. Elas, entre outras figuras, tão somente alimentaram os achismos de Bolsonaro com mais achismos rebuscados. Devastadora foi a participação da infectologista Luana Araújo. Pouco acrescentou no que diz respeito ao que acontece no governo, pois sua passagem pelo Ministério da Saúde durou pouco mais que uma semana. No entanto desmontou uma por uma as teses defendidas pela tropa de choque e pelo próprio governo. Encurralou os senadores governistas enterrando de vez as teorias de imunidade de rebanho por contaminação e tratamento precoce com fármacos.CPI e a população
Levando uma surra por dia na CPI e a população cada vez mais descontente com a falta de vacinas, Bolsonaro tentou demonstrar reação, na expectativa de que este crescimento de 1,2% na economia reduza o descontentamento dos empresários e que uma Copa América anestesie a revolta da população. Os resultados da economia, no entanto, devem-se fundamentalmente à exportação de comodities, em especial dos produtos agropecuários, e à alta do dólar, que pouco ou nenhum impacto tem de imediato no dia a dia da imensa maioria da população. Nenhum resultado econômico será consistente sem que ocorra um mínimo controle da evolução da crise sanitária, o que já está mais que provado que somente ocorrerá com a vacinação de pelo menos 50% da população. É pouco provável também que o empresariado industrial e de serviços se entusiasme com estes 1,2%. Quando muito, Bolsonaro manterá a sua base no agronegócio e sofrerá mais pressão do setor rentista para fazer as reformas de destruição do Estado. A Copa América, longe de empolgar, não só não despertou nenhum entusiasmo na população, mas teve por efeito imediato desencadear uma profunda crise na CBF e na Seleção Brasileira. O descontentamento da cartolagem por não ter sido consultada é enorme e, para agravar a situação, Caboclo sofreu esta semana até denúncia de assédio sexual por parte de uma funcionária da entidade. A Seleção, composta em quase sua totalidade por jogadores que atuam em clubes europeus, também não foi consultada antes da decisão de realizar a Copa América no Brasil. Alguns atletas por consciência política das implicações sanitárias que podem decorrer do evento e outros por pressão dos seus clubes, que não querem expor os seus jogadores, caminham para o boicote da competição. Ou seja, não será surpresa se a CBF e a Conmebol desistirem de sua realização. No entanto não se pode subestimar o poder de fogo de Bolsonaro. Já sabemos que reagir politicamente não é o seu forte. Como um cachorro louco, o único método de reação que Bolsonaro conhece é a confrontação. Acontecimentos envolvendo policiais militares como os ocorridos em Pernambuco e Goiás, mostram que ele tem forte influência nestas corporações. Tanto nas manifestações de sábado retrasado quanto no panelaço durante o pronunciamento, parcela das hordas de fanáticos mostraram que estão dispostos a ir para o confronto físico. O episódio Pazuello, se por um lado rachou o Alto Comando do Exército, também demonstra que uma parte pode estar sob total subordinação ao genocida. Uma coisa é certa, a luta política irá se acirrar nos próximos dias e a unidade das forças sociais e políticas será fundamental para fazer frente às ameaças de violência e totalitarismo.Jorge Gregory, é jornalista e professor universitário, trabalhou no Ministério da Educação (MEC).
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