O ponto fundamental é não se perder de vista a quadra política em que nos encontramos, com o fascismo rosnando em nossa volta, louco para arrombar a porta e voltar com tudo ao poder.
Por Luciano Rezende – de Brasília
O ano era 2016. Um golpe que levaria o Brasil a viver uma escalada fascista estava prestes a ser parido. Quando as forças progressistas mais precisavam se unir em defesa do mandato legítimo e democrático da presidenta Dilma, setores da “esquerda” brasileira preferiram jogar água no moinho da extrema-direita.
Pelas universidades e institutos federais Brasil afora, muitos deles criados nos governos Lula e Dilma, se viam grandes faixas estendidas em que a presidenta democraticamente eleita e covardemente perseguida pelas hordas golpistas era retratada como uma ratazana. Panfletos impressos eram distribuídos nos vários novos campi com uma mensagem sórdida atacando Dilma, colocando-a como a grande vilã e inimiga da educação. Mais uma greve, entre tantas que ocorreram naquele período, era convocada. Assinavam esses materiais sindicatos que se autodenominam do campo popular: Andes, Fasubra e Sinasefe.
Após toda essa campanha, o preço da gasolina que era R$ 2,40 o litro, saltou para R$ 8. Uma emenda constitucional (“Teto dos Gastos”) instituiu um novo regime fiscal que colocou freio por vinte anos o aumento progressivo de investimentos que vinham sendo feitos em áreas vitais ao povo, como educação e saúde. A expansão das IFES e novas vagas de concursos públicos foram paralisadas. Salários, auxílios e gratificações foram congelados durante todo esse período. O Fundo Social do Pré-Sal, que destinava 50% dos royalties do petróleo para educação e saúde foi extinto. Uma insidiosa campanha permanente contra as universidades e os professores, intitulada de Escola sem Partido, foi instalada com o objetivo de perseguir o livre pensamento e a tolher a liberdade de cátedra. Professores eram denunciados como doutrinadores. Verbas para a assistência estudantil foram reduzidas drasticamente. As escolas cívico-militares se espalharam em todo o território nacional. O orçamento das universidades despencou…
Mas o mais curioso disso tudo é que as outrora revolucionárias entidades que sempre deflagravam greves, por motivos mais fúteis possíveis, hibernaram por esses longos seis anos. Mas bastou a volta de um governo popular à presidência para, tal como um urso, saírem da toca famintos por mostrarem suas garras. Cordeirinhos com Temer e Bolsonaro. Bestas-feras contra Lula.
Apenas não propuseram greve no ano passado, no primeiro ano do governo Lula, porque foi dado um reajuste salarial de quase 10% aos docentes, além de o governo quase dobrar o valor de diversas bolsas de formação (mestrado, doutorado, entre outras), aumentar o orçamento destinado à educação, anunciar a abertura de milhares de novas vagas por concursos, entre tantas outras medidas alvissareiras. Isso sem falar das conquistas na Ciência, Tecnologia e Inovação.
Este ano de 2024, entretanto, numa conjuntura política nacional e internacional altamente complexa e sob uma correlação de forças extremamente desfavorável (com o Congresso Nacional mais conservador das últimas décadas), o atual governo é quase que cobrado pelo movimento grevista a repor todas as perdas salariais dos últimos anos de uma vez. Questionam o governo Lula por ter cedido às pressões de “setores bolsonaristas” do funcionalismo público em detrimento daqueles que o apoiou. E por aí vai. Miopia ou cegueira?
O discurso em favor desta greve até poderia ser interpretado como ingênuo caso não houvesse esse histórico acima relembrado e não tivesse existido essa assimetria no enfrentamento aos ataques à educação, nos diferentes governos. Mas fica ainda mais evidenciado a má-fé destes sindicatos quando claramente deturpam dados e, pior, dizem não haver negociação por parte do governo. Inclusive, a proposta feita pelo MEC de quase 50% no reajuste nos auxílios (saúde, alimentação, creche…) para ainda este ano, praticamente não é falada.
Educação pública brasileira
Mas a questão essencial é outra. Ninguém nega que os servidores da educação pública brasileira, em seu conjunto, devam ser mais valorizados. Boa parte da pauta de reivindicações destes sindicatos (muito embora algumas delas sejam mais de responsabilidades das gestões, diretorias de campus ou reitorias, do que propriamente do governo federal) é legítima e necessária. O ponto fundamental é não se perder de vista a quadra política em que nos encontramos, com o fascismo rosnando em nossa volta, louco para arrombar a porta e voltar com tudo ao poder. Não é nem o caso de se estudar a história, mas apenas ter o mínimo de bom senso ao relembrar tudo o que passamos nos últimos seis anos, antes de Lula voltar à presidência.
Há uma passagem no livro Anna Kariênina em que um dos personagens principais desta obra imortal de Tolstói, após acalorada discussão acerca de questões políticas da Rússia czarista, diz o seguinte: “Na maior parte das vezes, discutimos com ardor apenas porque não conseguimos de maneira alguma compreender o que exatamente o nosso adversário quer demonstrar”.
O personagem em questão, Konstantin Liévin, largou mão de discutir com os sectários. Mais que isso, deixou de participar dos ziemstvo (organizações administrativas) de sua época, justamente por não compreender como seus colegas agiam de forma tão descoladas de seus discursos. É justamente esse o sentimento de muitos professores e técnicos administrativos que sequer participam das assembleias, vistas como viciadas e sem representatividades. E não adianta nem querer disputar os seus rumos, pois via de regra, as direções destes sindicatos são blindadas a quem pensa diferente de seus dogmas.
Como é possível que assembleias, muitas delas híbridas (presencial e virtual), decidam com menos da metade de representação da categoria, sem o devido aprofundamento dos temas? Num rompante, quando se menos espera, já há uma assembleia marcada para se definir mais uma greve (muito fácil quando o salário está assegurado ao final do mês e quase sempre a reposição é fictícia).
Quando perguntados o porquê de terem adormecidos nos governos Temer e Bolsonaro, quando a educação era despedaçada no país, admitem abertamente, em um “sincericídio” típico de quem já perdeu a vergonha: “é mais fácil fazer greve em governos de esquerda”. Assumem, de forma pusilânime, o oportunismo típico do sindicalismo de resultados.
Vale destacar, entretanto, a postura coerente do PROIFES – Federação, priorizando o diálogo permanente com o governo e evitando banalizar o importante instrumento da greve. Ainda nos resta uma esperança.
Luciano Rezende, é engenheiro agrônomo (UFV), bacharel em Administração Pública (UFF), licenciado em Geografia (UERJ) e Letras (UFF). Professor Doutor do Instituto Federal de Brasília (IFB).
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