Rio de Janeiro, 20 de Janeiro de 2025

Os 100 anos da Coluna Prestes

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Sábado, 11 de Janeiro de 2025 às 15:20, por: CdB

Os gaúchos marcharam do Rio Grande do Sul na direção do norte, enfrentando forças militares em batalhas sangrentas. Miguel Costa rumou, com suas tropas, para o oeste, encontrando-se, no início de abril, com Prestes e outros líderes revolucionários, entre eles o então principal comandante, general Isidoro Dias Lopes, na cidade de Foz do Iguaçu.

Por Marcos Dantas –  do Rio de Janeiro

No dia 3 de janeiro de 1925, um grupo de jovens oficiais do Exército brasileiro, encontrava-se, comendo churrasco e sorvendo chimarrão, no meio do mato, em um local conhecido como Boqueirão da Ramada, no oeste do estado de Santa Catarina, quase fronteira com a Argentina: estavam comemorando o 27º aniversário de um deles, o capitão Luis Carlos Prestes[1].

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A Coluna Prestes foi o maior movimento armado já visto na América Latina, ao longo dos últimos séculos

Encontravam-se naquele ermo porque, cerca de seis meses antes, haviam sublevado contra o governo federal, alguns quartéis do Rio Grande do Sul, acompanhando uma grande revolta militar que também acontecia em São Paulo e no Rio de Janeiro. Enfrentando forças superiores do Exército governamental, tanto os combatentes de São Paulo, liderados pelo major da Força Pública (então nome da Polícia Militar), Miguel Alberto da Costa, quanto aqueles do Rio Grande do Sul, ao invés de se renderem, preferiram embrenhar-se Brasil a dentro, dando início a uma aventura que viria a ser o maior feito militar da História do Brasil, logo um dos maiores da América Latina, ou mesmo do mundo. Se tivesse acontecido nos Estados Unidos, com certeza Hollywood já teria produzido no mínimo um épico, além de dezenas de outros filmes relativos a esse feito. No Brasil, o centenário daquele movimento que viria a ser conhecido como Coluna Prestes, está passando quase desapercebido, sem maiores solenidades, sem produções cinematográficas ou debates acadêmicos, sem exposições… nada.

Os gaúchos marcharam do Rio Grande do Sul na direção do norte, enfrentando forças militares em batalhas sangrentas. Miguel Costa rumou, com suas tropas, para o oeste, encontrando-se, no início de abril, com Prestes e outros líderes revolucionários, entre eles o então principal comandante, general Isidoro Dias Lopes, na cidade de Foz do Iguaçu. Ali, debatendo o futuro do movimento, entre a rendição e o exílio, Prestes convenceu Miguel Costa e a maioria a seguir um terceiro caminho: continuar na luta, embrenhando-se pelo interior brasileiro. Enquanto estivessem combatendo, acreditava, o flama revolucionária seguiria acesa, novos levantes poderiam ocorrer na capital Rio de Janeiro, em São Paulo, outras cidades.

 

Fronteira

Numa época quando, por influência da Primeira Guerra Mundial, a doutrina, logo o treinamento, militar privilegiava a guerra de posições e trincheiras, Prestes inovou propondo travar uma guerra de movimento e guerrilhas. A tropa não poderia ficar parada à espera do inimigo. E precisaria saber quando atacar, quando recuar, quando evitar o combate diante de forças superiores. Para isso, naquele momento e lugar, a primeira missão seria atravessar o caudaloso rio Paraná entrando em território paraguaio para assim poder reentrar em território brasileiro pelo sul do Mato Grosso (hoje, do Sul). A travessia do rio foi concluída em 28 de abril. No dia 3 de maio, a sua vanguarda, comandada pelo tenente João Alberto Lins de Barros, entra na cidade de Ponta Porã, no lado brasileiro da fronteira com o Paraguai.

Eram cerca de 1.500 homens. Começariam ali uma marcha que, após dois anos e meio, percorreria 36 mil quilômetros de território brasileiro. Atravessaram Mato Grosso, Goiás, chegaram nas vizinhanças de Teresina, Piauí, nos últimos dias de dezembro de 1925. Entraram pelo Ceará, Pernambuco, sertão brabo, desceram pela Bahia, chegaram ao norte de Minas Gerais. Não era possível avançar mais. Os levantes que esperavam acontecer nas principais capitais estaduais ou no Rio de Janeiro, não aconteceram ou foram facilmente dominados pelas forças governamentais. Enfrentavam não só tropas bem armadas e mais descansadas do governo, como também jagunços reunidos pelos “coronéis” nordestinos. Foram combatidos até mesmo pelo romantizado cangaceiro Virgulino “Lampião”. Refizeram o caminho: Bahia, Pernambuco, Ceará, Piauí, Goiás, Mato Grosso. Finalmente, no dia 4 de fevereiro de 1927, reduzida a cerca de 620 homens, acompanhados também por muitas mulheres, várias delas combatentes, a Coluna entra no povoado de Los Galpones, na Bolívia, onde Prestes e Miguel Costa pedem asilo político para eles e sua tropa.  Em muitas cidades no caminho, foram recebidos com foguetório de festas. Em outras, com foguetório de fuzis. Faz parte. Raramente perderam alguma batalha ou escaramuça, razão porque ficaram conhecidos como “A coluna invicta”.

O que pretendiam? Claro, reformar o Brasil. Pediam reformas no sistema eleitoral à época totalmente dominado pelos “currais eleitorais” dos grandes fazendeiros (sequer havia voto secreto); reforma no sistema educacional, na Justiça, separação entre o Estado e a Igreja, modernização do país, em suma. Integravam um movimento político e social que iria desaguar na Revolução de 30, na qual participaram quase todos os seus comandantes: Cordeiro de Farias, Juarez Távora, João Alberto, Miguel Costa e outros. Mas um deles, o comandante dos comandantes não aceitou aderir à revolução liderada por Getúlio Vargas: Luis Carlos Prestes. Pouco antes, impactado pelo Brasil pobre que conheceu nessa longa marcha, ele havia aderido às idéias comunistas. Por isto, recusou-se a participar daquela revolução “burguesa”. Esta pode ser uma razão, entre outras, do por que a epopéia da coluna, indelevelmente ligada ao nome de Prestes, tenha sido, desde então, ano a ano, cada vez mais obscurecida da memória brasileira.

E 2024 já se foi. Até 2025-2027: ainda há tempo para o governo e a sociedade, inclusive o Exército, celebrarem o centenário desse feito militar brasileiro sem igual na História!

Marcos Dantas é professor titular (aposentado) da Escola de Comunicação da UFRJ e presidente da Fundação Mauríciio Grabois – RJ.

[1] Domingos Meireles, As noites das grandes fogueiras: uma história da Coluna Prestes; Rio de Janeiro/São Paulo: Record, pg. 323.

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