Da mesma forma, os R$ 0,20 a mais na passagem de ônibus da capital paulista, em 2013, custariam caro, pela influência das atividades de poderosos grupos financeiros mundiais liderados por bilionários devotos da ultradireita neofascista.
Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro
De tempos em tempos, uma onda de “é proibido proibir” se levanta em um país, em um conjunto de países e varre até continentes inteiros. Woodstock; Primavera Árabe; queda da presidenta deposta Dilma Rousseff (PT); fim da semana de cinco dias e meio de trabalho; até a disrupção nazista e a II Guerra Mundial, na negação ao Estado democrático e de Direito. Vai longe. A realidade não é estática.
Da mesma forma, os R$ 0,20 a mais na passagem de ônibus da capital paulista, em 2013, custariam caro, pela influência das atividades de poderosos grupos financeiros mundiais liderados por bilionários devotos da ultradireita neofascista, a ponto de transformarem-se no movimento golpista de 2016. Daí em diante, estava encerrado um período de plenitude democrática, com a instalação do governo do presidente de facto Michel Temer. Mas o pior ainda estava por vir.
Em 2014, as forças de ultradireita usaram a ‘Operação Lava Jato’ como instrumento jurídico capaz de afastar das urnas o presidente favorito dos brasileiros, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com uma prisão ilegal de 580 dias. Tempo suficiente para montar o ‘Gabinete do ódio’ e assumir, nas redes sociais e em parte expressiva dos movimentos religiosos de matiz evangélica, o controle do fenômeno identificado como “pobre de direita” na obra do sociólogo Jessé Souza.
Fiasco golpista
A receita, testada em 2013 nos movimentos de rua cobertos à larga pela mídia conservadora, foi suficiente para levar ao Palácio do Planalto o mandatário neofascista Jair Bolsonaro (PL), que terminaria como referência do golpe fracassado no 8 de Janeiro. O fiasco golpista, no entanto, gera consequências como, no início da semana, os atentados perpetrados por um elemento de tendência neonazista, na Praça dos Três Poderes.
Assim, as 28 horas a mais de lazer reivindicadas para o trabalhador podem muito bem, sim, ser sequestradas por aqueles mesmo títeres que articularam suas cordas na manipulação do público, há uma década. O ex-ministro do governo social-nacionalista alemão Joseph Goebbels aplicou tais métodos, com amplo sucesso durante um breve período. Depois deu muito errado, mas dinheiro para financiar tais objetivos nunca falta.
Quanto ao debate sobre o fim do regime de trabalho de segunda a sexta-feiras, das 8h às 17h, com uma hora para o almoço no meio do dia, até às 12h de sábado, por outro com 16 horas menos, não creio que seja este o ponto central da questão.
‘Imagine’
O objetivo do debate deveria, sim, ser o questionamento relativo à adequação dos seres humanos a um regime imposto durante a Revolução Industrial. Nesta época, o trabalhador, obrigado pela fome a vender sua força de trabalho aos donos dos meios de produção, sequer tinha direito a uma vida digna, que fosse um enterro decente. Agora, embora pareça que melhorou alguma coisa, as mesmas convenções regem a sociedade capitalista, apenas com um nível menor de sordidez.
Alguém por aí já deve ter proposto que cada pessoa deveria trabalhar o tempo necessário para contribuir com a segurança, o bem-estar, o progresso de seu país e pela sua realização pessoal e de sua família. Assim, até chegarmos a um ponto de equilíbrio em escala planetária, quando teríamos um cidadão solidário, bem educado, em um mundo com empatia, inteligência e bondade. John Lennon, dos Beatles, chegou a compor uma música sobre isso: ‘Imagine’.
As pessoas vêm ao mundo para crescer em valores intangíveis, que inspiram a arte, a pesquisa, o conhecimento ou, simplesmente, a tradução em poesia dos mistérios do Universo. Ninguém, convenhamos, nasceu para assegurar as margens de lucro das corporações, ou saciar os interesses da sociedade de consumo. Seria estupidez demais, até para os neofascistas.
Se for pra mudar alguma coisa, portanto, que o Brasil seja inspiração para um modelo mais adequado à Humanidade, como um todo, e ao biorritmo de cada ser humano, dedicado à felicidade dos viventes. Com certeza se poderia medir o nível de aceitação da proposta pela irritação dos mesmos atores que fizeram sucesso nas ‘Manifestações de Março’ de 2013 ou agora, nos novos – e sinceros – protestos de esquerda, mas tão acalentados pela direita mais escancarada.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do jornal Correio do Brasil.