Por Redação, com sucursal Brasília por Vitoria Carvalho
“Artista e ambientalista é expulso de seu santuário ecológico em ação judicial equivocada, enquanto justiça e autoridades permanecem inertes.”

Em meio ao cerrado baiano, onde o gado pasta sob um sol inclemente e o avanço da monocultura apaga histórias, havia um lugar diferente. A Cidade das Estrelas, um santuário de arte, cultura e resistência ambiental, era mais do que uma propriedade rural: era a materialização do sonho de Edilson Conceição da Silva Ribeiro, o Edy Natureza. Hoje, restam apenas escombros, memórias e uma pergunta que ecoa sem resposta: Por quê?
O dia em que o mundo de Edy desmoronou
No dia 11 de julho de 2024, oficiais de justiça, acompanhados por policiais militares e homens armados com motosserras e machados, invadiram a Cidade das Estrelas. Alegavam cumprir um mandado de reintegração de posse. Mas havia um erro grotesco: a propriedade citada no documento não era a de Edy, e sim a de um vizinho envolvido em uma disputa judicial desde 2011.
Sob a mira de armas, Edy foi expulso de sua própria terra. Em poucas horas, décadas de trabalho foram reduzidas a pó. Bioconstruções, esculturas, plantios, ferramentas, livros e um acervo cultural inestimável foram destruídos. Tudo sob o olhar passivo do Estado, representado pela polícia e pela justiça.
“Quebraram mais de sessenta obras de arte. Destruíram um santuário, um ateliê, um centro cultural. Não foi só a terra que levaram, foi toda uma história”, relata Edy, emocionado.

O homem por trás da Cidade das Estrelas
Edy Natureza não era um fazendeiro comum. Artista, educador e guardião de saberes tradicionais, ele transformou seu pedaço de chão em um laboratório de sustentabilidade. Suas obras mesclavam técnicas ancestrais e inovações ecológicas, atraindo estudantes, artistas e militantes ambientais. A Cidade das Estrelas era um ponto de cultura vivo, reconhecido até pelo Ministério da Cultura em 2024.
“Edy não construía casas, construía sonhos”, diz Angel Luis Gonçalves Rodríguez, educador social que acompanha seu trabalho há anos. “Cada parede, cada escultura, contava uma história. Era um lugar que provava que outro mundo é possível.”

O preço da resistência
A destruição da Cidade das Estrelas não foi um acidente. Formosa do Rio Preto é uma cidade onde a economia gira em torno da pecuária extensiva, e vozes como a de Edy soam como um incômodo. Suas críticas ao desmatamento e sua defesa de práticas sustentáveis desafiavam um sistema que lucra com a exploração da terra.
Apesar de uma liminar garantir a Edy o direito de retornar à área, um obstáculo persiste: o réu do processo original desapareceu, impedindo a conclusão do caso.
“O juiz liberou o acesso, mas há uma área de conflito no caminho. O oficial de Justiça não encontrou o responsável para intimá-lo. Enquanto isso, não posso voltar”, explica Edy.
Desde o ataque, Edy vive escondido, sob ameaças de morte. Seus irmãos, ligados ao agronegócio, não o apoiam. A Justiça, até agora, não corrigiu o erro. Autoridades federais se sensibilizaram, mas alegam não poder intervir em um “conflito privado”. Enquanto isso, os responsáveis pela destruição seguem impunes.
O que resta?
Restam as histórias. Restam os vídeos que documentam a Cidade das Estrelas em seu esplendor. Resta a resistência de Edy, que, mesmo desterrado, continua criando arte e mobilizando apoio. “Ainda há uma luta grande pela frente. E eu não vou parar”, finaliza.
Mas uma pergunta permanece: quantos mais terão seus sonhos destruídos antes que o Estado acorde para a violência que se normaliza no interior do Brasil?
Este texto é um chamado. Por justiça. Por reparação. Por um futuro onde lugares como a Cidade das Estrelas não sejam lembrados apenas por sua destruição, mas por sua reconstrução.
