A frase foi pronunciada pelo político conservador brasileiro, Juracy Magalhães, logo depois de ter sido nomeado embaixador do Brasil nos Estados Unidos pelo governo militar que depôs o Presidente João Goulart em 1º de abril de 1964.
Por Paulo Kliass – de Brasília
A frase foi pronunciada pelo político conservador brasileiro, Juracy Magalhães, logo depois de ter sido nomeado embaixador do Brasil nos Estados Unidos pelo governo militar que depôs o Presidente João Goulart em 1º de abril de 1964. O político era dirigente da UDN, partido que conspirou a favor da ditadura, e havia encerrado seu mandato como governador da Bahia em 1963. Logo após essa breve passagem pela representação brasileira em Washington, ele foi nomeado Ministro da Justiça e depois também chanceler entre 1965 e 1967.Americanófilos, ma non troppo
Já eleição de Donald Trump e a infeliz coincidência com a chegada de Bolsonaro ao poder por aqui recoloca a questão do alinhamento automático em outro patamar. O Brasil abandona qualquer tipo de pretensão de desempenhar um papel relevante no cenário internacional e passa a ser apenas um peão a mais nas mãos da diplomacia norte-americana. A bajulação passa ser sistemática e o chanceler brasileiro se orgulhava de transformar nosso país em um pária internacional. No entanto, com o cenário de agravamento da nossa crise interna e da ruptura de canais de intermediação com os parceiros pelo mundo afora, mais uma vez parte das elites começam a perceber que o aforismo do udenista precisava mais uma vez ser relativizado. A admiração de sempre ao que vinha de lá passa ser temperada com o receio das consequências das trapalhadas perpetradas pelos dois presidentes. A derrota de Trump e a vitória de Joe Biden marca o retorno do Partido Democrata à presidência nos Estados Unidos. A emergência da crise provocada pela covid-19 e a tragédia em que se configurou a postura do seu antecessor perante a pandemia provocaram uma mudança de estratégia da nova equipe. Os Estados Unidos vinham liderando todos os índices negativos associados à doença, uma vez que Trump adotara uma prática e um discurso negacionistas, subestimando seus riscos e classificando o fenômeno ora como uma “gripezinha”, ora como “vírus chinês”. Essa foi, inclusive, a importação que Bolsonaro trouxe para orientar a conduta desastrosa de seu governo no (não) enfrentamento da pandemia.A mudança com Biden
A chegada de Biden reorienta as políticas públicas para esse fato novo, que demanda medidas urgentes e vigorosas. De um lado, tem início um forte movimento para vacinação em massa e em grande escala da população. De outro lado, o governo decide pela adoção de pacotes expressivos de recursos públicos para ajudar na retomada do crescimento das atividades econômicas e na ajuda às empresas e famílias em dificuldades. Os efeitos em algumas variáveis são quase imediatos. O gráfico 1, logo abaixo, exibe a tendência do movimento ocorrido com o número de mortes causadas pela covid-19 em proporção com cada milhão de habitantes entre Brasil e Estados Unidos. A data de início da comparação é justamente a posse do novo ocupante da Casa Branca, em 20 de janeiro de 2021. Gráfico 1, Mortes por covid, casos por milhão (média semanal)
Brasil muito atrás
Outra iniciativa relevante foi o estímulo à vacinação em massa. O gráfico 2 abaixo nos mostra a evolução da porcentagem da população que está definitivamente imunizada. No início do governo Biden, a taxa era apenas de 0,65% e o Brasil nem havia começado sua campanha. Atualmente, menos de 3 meses depois, os Estados Unidos atingiram a marca de 22% da população plenamente vacinada e o Brasil está em 3% apenas. Gráfico 2, Porcentagem da população vacinada, Brasil e EUA
Se é bom para o Brasil, então mãos à obra
Uma simples comparação com o caso brasileiro nos permite identificar o nível de atraso em que nos encontramos nesse debate e na adoção de tais medidas. Nosso PIB está avaliado em torno de R$ 7,4 trilhões. Caso o governo brasileiro resolvesse adotar uma estratégia similar e de potência semelhante, caberia um pacote de ajuda no valor de R$ 1,8 trilhão. Porém, vige uma subestimação das necessidades para o enfrentamento da guerra contra a pandemia, ao tempo em que seguem as adorações imaculadas aos altares da austeridade fiscal sob a forma de uma impressionante e sacrossanta divindade intangível. E o governo continua se negando a comprar vacinas e a adotar um programa de auxílio emergencial com um benefício mensal mínimo de R$ 600 enquanto durar a pandemia. Um verdadeiro crime contra o país e seu povo. Talvez seja mais do que passada a hora de nossas elites se inspirarem na frase de Juracy Magalhães. Se for bom mesmo para o Brasil, então o caminho passa por retirar um governo genocida e negacionista do poder e adotar um programa econômico com previsão das despesas necessárias para derrotar a pandemia e recuperar a trilha do crescimento e do desenvolvimento.Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil