Rio de Janeiro, 05 de Dezembro de 2024

Agroindústria é falsa solução para a fome, afirmam especialistas

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Domingo, 17 de Outubro de 2021 às 15:27, por: CdB

A ONG FASE reuniu nove especialistas para fazer o dossiê ‘Sistemas Alimentares: fome, corporações e alternativa’, onde são apontadas soluções alternativas à agroindústria.

Por Redação, com ACS - do Rio de Janeiro
Técnicos do Fórum Econômico de Davos e da ONU afirmaram, na Cúpula Mundial dos Sistemas Alimentares, que o sistema alimentar do mundo está “quebrado”. Para eles, a capacidade do planeta em render frutos que alimentem toda a população humana está ameaçada; e apenas a agroindústria poderia resolver a crise. Mas será que as monoculturas são, de fato, o “celeiro do mundo”?
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A comida no prato da maioria dos brasileiros vem da agricultura familiar, e não do agronegócio
Hoje, 70% da população global serve suas refeições com frutos da agricultura familiar e camponesa; e apenas 30% da população mundial é alimentada pela cadeia alimentar industrial. E você? Sabe de onde vem sua comida? A ONG FASE reuniu nove especialistas para fazer o dossiê ‘Sistemas Alimentares: fome, corporações e alternativa’, onde são apontadas soluções alternativas à agroindústria. São profissionais de diferentes áreas; de nutrição e engenharia agrônoma até economia e antropologia. O documento, já disponível online no site é um compilado de nove artigos acompanhados de vídeos e entrevistas. Ele é dividido em quatro temas: “Fome é política”; “Políticas de abastecimento e compras públicas”; “Soberania Alimentar no campo-cidade”; e “Comer é um ato político”. O dossiê busca aprofundar o debate sobre as cadeias de produção de alimentos e as políticas de abastecimento, numa tentativa de explicar como como estes, entre muitos aspectos, influenciam na soberania e segurança alimentar da nação.

Falsas soluções

Seriam as monoculturas e os alimentos fortificados a solução mais efetiva para a questão da fome? A antropóloga Maria Emília Lisboa Pacheco afirma que não. — As receitas tecnológicas que se apresentam não levam em conta os fatores ecológicos, socioeconômicos, culturais e os direitos humanos de um mundo onde cresce a fome, que já atinge cerca de 800 milhões de pessoas, onde cresce a obesidade e desnutrição, e onde acentuam-se as mudanças climáticas, caracterizando um cenário que vem sendo denominado de sindemia global — afirmou. Maria Emília é representante do Fórum Brasileiro de Soberania, Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e assessora do Programa Direito à Segurança Alimentar, Agroecologia e Economia Solidária da FASE.

Ultraprocessados

Já sobre sobre os alimentos ditos “enriquecidos”, ela explica porque são um tiro no pé: “Os riscos se expressam em possíveis efeitos tóxicos com a ingestão excessiva de nutrientes,  impactos na cultura alimentar, erosão genética  e interferência  na autonomia dos agricultores, guardiões da diversidade de sementes.” A antropóloga explica, também, haver uma artificialização dos alimentos, fazendo com que eles se tornem produtos ultraprocessados que, segundo ela, não seriam comidas, mas sim fórmulas industriais: “Atualmente cresce o seu consumo. Esses produtos não são propriamente alimentos, mas, sim, formulações industriais feitas inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos (óleos, gorduras, açúcar, amido, proteínas), derivados de constituintes de alimentos (gorduras hidrogenadas, amido modificado) ou sintetizadas em laboratórios com base em matérias orgânica como petróleo  e carvão (corantes,  aromatizantes realçadores de sabor e vários tipos de ativos. Buscam dotar os produtos de propriedades sensoriais atraentes, com impactos na saúde, na cultura alimentar e na vida social, como nos ensina o Guia Alimentar para a população brasileira, tantas vezes contestado pelas empresas”. Portanto, o que o dossiê mostra é que o direito à alimentação é um direito humano e deve ser feito com acesso ao que popularmente se conhece como “comida de verdade”. Ou seja, alimentos de origem natural, produzidos de forma sustentável.

Política da fome

Já o ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), Francisco Menezes, atual assessor de políticas da ActionAid, afirma que a fome no Brasil é um problema crônico e político. Ele conta que a situação de insegurança alimentar é agravada conforme avançamos na análise interseccional de gênero, raça e territorial. Estão em maior risco os lares chefiados por mulheres negras ou pardas e de baixa escolaridade. O acesso à alimentação de qualidade também é reduzido entre essas famílias. Mesmo quando o Brasil saiu do Mapa da Fome, em 2014, mantiveram-se situações de fome entre indígenas, quilombolas e povos tradicionais. Segundo Menezes, faltou ao Brasil a democratização do acesso à terra e uma política nacional de abastecimento, cuja ausência provoca reflexo direto no preço dos alimentos atingindo desproporcionalmente a população mais pobre. “Se o empobrecimento se acelerou com a pandemia, outro fator que intensificou a insegurança alimentar e a fome foi a elevação dos preços de alimentos básicos, impactando justamente aqueles mais pobres, em que a aquisição de alimentos pesa consideravelmente. Em 2020, o componente da alimentação na inflação foi três vezes maior do que o índice médio, por conta da elevação dos preços do arroz, feijão, óleos vegetais, carnes e até ovos, entre outros. Resultado da ausência de uma política de abastecimento voltada para a maior parte da população penalizando justamente aqueles mais vulneráveis”, afirma

Soluções reais

Há, no entanto, outras estratégias de combate à fome para além da monocultura industrial. Os sistemas alimentares territoriais são construídos com técnicas baseadas nas experiências dos povos tradicionais e de agricultores familiares. Desta forma, se busca uma cadeia de produção mais justa e socialmente responsável, com foco no papel das mulheres e em tecnologias sociais.  Quem produz alimentos diversificados protege a biodiversidade, a saúde e a natureza. No centro destes princípios estão o Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas, a soberania alimentar, a agroecologia e os valores de justiça social e alimentar e da democracia.
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