É mais do que fundamental aprofundar o isolamento político do fugitivo e de seus seguidores marcados pelo fanatismo, que antes pregavam, e agora praticam, o terror. Além disso, o sistema de informações do governo federal também tinha informações a respeito das caravanas que estavam sendo organizadas nos Estados.
Por Paulo Kliass – de Brasília
O intervalo foi de apenas uma semana. Entre a maravilhosa e emocionante jornada da posse de Lula na Esplanada dos Ministérios no domingo dia 1 de janeiro e a crueldade criminosa dos atos terroristas perpetrados pela horda fascista do bolsonarismo no dia 8 fica o retrato contraditório de um país que saiu dividido do processo eleitoral. Não restam muitas dúvidas a respeito da responsabilidade direta do governador reeleito do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, bem como de seu Secretário de Segurança Pública, Anderson Torres. Ambos sabiam exatamente o que estava sendo preparado para aquele fim de semana, a partir das articulações dos golpistas acampados em frente ao Quartel General do Exército em Brasília.Financismo de rabo preso com o golpismo
Depois de todo o estrago consumado, no final da tarde Lula promove a intervenção na área de segurança do DF até o final de janeiro e o Ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, afasta o governador do DF de suas funções até 31 de março. No início da semana, a realização da reunião com todos os 27 governadores foi um marco importante no processo de construção política de uma união nacional contra o terrorismo bolsonarista. Neste momento, é mais do que fundamental aprofundar o isolamento político do fugitivo e de seus seguidores marcados pelo fanatismo, que antes pregavam, e agora praticam, o terror. A manifestação de solidariedade dos governos do resto do mundo com Lula e a condenação do terrorismo também contribuem para afastar qualquer ameaça de golpe militar. Pouco a pouco, o Presidente da República retoma o controle político da situação, mas ainda precisa resolver a complexa e sensível “questão militar”. A presença de Múcio na pasta da Defesa deveria ser uma questão de tempo, o necessário para que Lula encontre uma solução que seja de sua absoluta confiança e também conte com algum respaldo nas 3 Armas. O fato interessante é que não saiu nenhuma nota, entrevista ou declaração do povo do financismo a respeito da grave crise que o País viveu e da qual ainda sente os efeitos. Aliás, é sempre assim. Os escribas e especialistas a mando do sistema financeiro adoram deitar falação e cobrar publicamente os governos quando entendem que a sua pauta de austeridade fiscal, privatização e liberalização está correndo algum tipo de perigo. E dá-lhe matérias alertando para catástrofe de aumentos de despesas governamentais na área social, os riscos de um “retrocesso” no processo de venda das empresas estatais ou de alguma flexibilização no arcabouço da política fiscal.E os efeitos econômicos do terror?
O financismo não parece considerar o famoso “risco”, tal como costumam quantificar, representado pelas ações terroristas financiadas e patrocinadas por setores importantes de nossas classes dominantes. Apesar de toda a habilidade demonstrada por Lula em “fazer desse limão uma limonada”, o fato concreto é que a imagem internacional do Brasil sofreu arranhões com as cenas ocupando os espaços dos grandes meios de comunicação pelos cinco continentes. Nada que não seja recuperável, mesmo no curto prazo. Mas esse tipo de ação não merece atenção, nem nota, nem repúdio da parte desse povo da banca. Adoram calcular o impacto de tal e qual medida voltada a atender necessidades da população mais carente, como o reajuste do Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo e outras. Mas não mandaram seus estagiários prepararem a planilha para estimar os custos diretos e indiretos provocados pela depredação do patrimônio físico, cultural e histórico daquele dia triste em que o terrorismo tomou conta do centro do poder em Brasília. Ou ainda não se preocupam em botar suas equipes para realizarem as contas de quais são os custos dos acampamentos, dos transportes e toda a logística que foram bancados pelos empresários que há muito tempo vêm financiando as manifestações golpistas e agora o próprio dia do terror.Silêncio demonstra cumplicidade
Por outro lado, começam a surgir as informações relativas aos movimentos próximos às refinarias e aos ataques contra as linhas e transmissão de energia elétrica em vários cantos do País. Trata-se de claras ações de sabotagem e terrorismo. São custos sociais e econômicos que deveriam ser cobrados na Justiça, juntamente com a condenação pelos crimes tipificados pela legislação antiterrorista. Esse pessoal adora condenar as ações legais e legítimas movidas pelos sindicatos e pressionam a Justiça do trabalho a cobrar das entidades pelo suposto prejuízo causado pelas paralisações. E agora, como é que fica? Apenas um silêncio que denuncia a cumplicidade e o rabo preso com os golpistas. Na verdade, outra consequência bastante negativa desse movimento antidemocrático é o retardamento do início do processo de reconstrução nacional. O novo governo já deveria estar se debruçando sobre as pautas de restabelecimento das políticas públicas que foram sistematicamente desmontadas ao longo dos últimos 6 anos. Lula poderia estar coordenando as tarefas de recuperação do protagonismo do Estado, uma vez que seu objetivo declarado é fazer 40 anos em 4. Se tal sabotagem era um dos intuitos dos mandantes e financiadores da tentativa de putsch, o fato é que o tiro talvez saia pela culatra. O terceiro mandato pode ter seu início ainda com a ampliação de sua base de apoio político, social e também parlamentar. O silêncio do financismo sobre os fatos dos últimos dias é carregado de significado. Apesar da oposição de seus principais representantes a algumas das medidas anunciadas por Lula e necessárias para a retomada das atividades econômicas com foco na redução de desigualdades e no desenho de um projeto de desenvolvimento, a cumplicidade com o golpismo pode arranhar sua credibilidade e pode lhes custar mais caro do que imaginam. O governo deve sair fortalecido quando essa poeira toda baixar. E Lula poderá usar esse reforço de autoridade para impulsionar a agenda que ele sabe ser necessária para que seu terceiro governo faça mais do que ele conseguiu realizar nos outros dois mandatos. É possível que no quadro atual, a oposição da banca não encontre tanta ressonância no restante da sociedade. Aguardemos, pois.Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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