Nesse contexto, é de se estranhar a justificativa de veto a parte do texto que alega isonomia entre loterias e as apostas de cota fixa, pois a própria lei deixou claro que são institutos distintos. Chamar as apostas online de loteria é apenas mais uma “jabuticaba nacional”.
Por Ana Bárbara Costa Teixeira - de São Paulo
A lei 14.790 de 2023 é um marco na regulamentação das apostas de cota fixa no país, que abrange apostas esportivas e jogos online. A lei estabelece boas práticas significativas da experiência estrangeira e deixou claro, logo no parágrafo único de seu artigo 1º, que suas disposições não se aplicam a loterias, que continuariam a ser regidas por suas próprias leis específicas, deixando claro, assim, a excepcionalidade das apostas de cota fixa em relação às loterias brasileiras.
Nesse contexto, é de se estranhar a justificativa de veto a parte do texto que alega isonomia entre loterias e as apostas de cota fixa, pois a própria lei deixou claro que são institutos distintos. Chamar as apostas online de loteria é apenas mais uma “jabuticaba nacional”.
Ao aprovar a matéria, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, citou a importância de estabelecer regras para uma atividade que se tornou uma realidade social, com o Congresso regulamentando as apostas online, visando evitar que elas continuassem se desenvolvendo à margem das leis e comprometendo a segurança dos apostadores.
O Poder Legislativo priorizou a segurança jurídica, incluindo no texto dispositivos sobre a obrigatoriedade do marketing responsável na promoção das apostas, a submissão do setor ao Código de Defesa do Consumidor e à utilização de instituições financeiras e de pagamento controladas pelo Banco Central, entre outros.
O Congresso também acertou ao reduzir a taxação originalmente proposta pelo governo federal (de 18% para 12%) e evitou repetir aqui as diversas experiências internacionais malsucedidas. Em países como Portugal, França e Alemanha, a tributação excessiva acabou por “canalizar” grande parte do mercado o consumidor para mercado não regulado.
Apostador
Ao enfatizar a necessidade de uma tributação sensata e ao positivar o encontro de contas anual entre o valor apostado e o valor auferido pelo apostador para fins de se aplicar a dita tributação, o Congresso demonstrou compreensão da realidade do mercado e evitou um impacto excessivo sobre os consumidores.
O objetivo foi proteger a população, reconhecendo que a maioria dos apostadores perde mais do que ganha e o jogo é um passatempo de entretenimento e não um investimento financeiro.
O Poder Executivo viu na regulamentação uma oportunidade de aumentar a arrecadação, vetando os parágrafos do artigo 31, que justamente disciplinam o encontro de contas anual do imposto de renda dos consumidores e o limite de isenção de tributação. Consideramos que o veto foi fundamentado de forma equivocada (e até ilegal) alegando uma isonomia entre loterias e apostas de quota fixa, mesmo quando o legislador deixou claro que essa isonomia não existe.
Diversas experiências internacionais já demonstraram (e ainda demonstram) que reter impostos na fonte dos apostadores pode resultar em fuga para o mercado informal.
Alerte-se, ainda, que nem mesmo a China, que tem sistema avançado de monitoramento e controle das atividades online de seus cidadãos, consegue controlar o jogo ilegal. Além disso, eventuais questionamentos judiciais quanto a sistemática de arrecadação podem trazer significativos custos burocráticos e compromissos futuros de caixa da União.
Em busca do sucesso do mercado regulado, é fundamental que o Congresso Nacional corrija o equívoco do Executivo, derrubando o veto aos parágrafos do artigo 31. A necessidade de arrecadação não pode comprometer a formalização do mercado e a segurança dos apostadores, e a tributação já prevista terá impactos positivos e duradouros para o país.
O Brasil deu um passo importante com a lei 14.790, mas é crucial a derrubada do veto presidencial para garantir, de fato, o desenvolvimento sustentável desse setor promissor.
Ana Bárbara Costa Teixeira, é consultora da ANJL (Associação Nacional de Jogos e Loterias) advogada e consultora em direito regulatório e contratual. É associada fundadora da Amig (Associação das Mulheres da Indústria do Gaming). Graduada (2001) e mestre (2010) em direito pela USP (Universidade de São Paulo). Tem MBA (2015) em gestão estratégica e econômica de projetos pela FGV (Fundação Getúlio Vargas).
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