Rio de Janeiro, 18 de Dezembro de 2024

Siderurgia: projeto da Fiocruz discute os impactos socioambientais

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Segunda, 01 de Agosto de 2022 às 11:42, por: CdB

A pesquisa tem como objetivo promover a articulação entre os serviços públicos de saúde e instituições de pesquisa com as organizações comunitárias que vêm desenvolvendo experiências de vigilância popular em contextos de conflitos socioambientais.

Por Redação, com Brasil de Fato - do Rio de Janeiro

Movimentos sociais populares, pesquisadores, membros de organizações da sociedade civil, pescadores da Baía de Sepetiba e moradores do bairro de Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, se reuniram em meados de julho para discutir o papel da vigilância popular em saúde na visibilização dos impactos à saúde humana e ao meio ambiente na região desde a instalação da siderúrgica Ternium, antiga TKCSA, ou Thyssen Krupp Companhia Siderúrgica do Atlântico.
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Siderúrgica Ternium, antiga TKCSA, ou Thyssen Krupp Companhia Siderúrgica do Atlântico, fica em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio
O bairro carioca, notório por conta da "chuva de prata" que caiu sobre sua população em 2012 devido à poluição atmosférica gerada pela siderúrgica, foi uma das 10 experiências espalhadas pelo território nacional selecionadas para integrarem o projeto "Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho: organizações comunitárias, serviços públicos de saúde e instituições de pesquisa atuando na defesa da vida de populações vulnerabilizadas por meio de um participatório", coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Ceará. A pesquisa tem como objetivo promover a articulação entre os serviços públicos de saúde e instituições de pesquisa com as organizações comunitárias que vêm desenvolvendo experiências de vigilância popular em contextos de conflitos socioambientais, envolvendo a instalação de empreendimentos industriais e ligados à mineração e ao agronegócio.

Vigilância popular

Em Santa Cruz, os participantes visitaram moradores de comunidades próximas à Ternium, unidades de saúde da região e se reuniram para debater o histórico da mobilização contra os impactos da siderúrgica, seus avanços, desafios e os próximos passos. Durante os dois dias, os participantes visitaram os arredores da siderúrgica, localidades ainda marcadas pela falta de saneamento básico, e conversaram com moradores próximos à usina, que relataram os impactos produzidos pela Ternium, que vão desde uma fuligem preta que cai sobre as casas até explosões e os transtornos causados pela passagem de trens que abastecem a siderúrgica, que passam apitando de madrugada e segundo os moradores são responsáveis por danos à estrutura das casas localizadas próximo à linha férrea. Durante o encontro também se discutiu o papel da vigilância popular em Santa Cruz e as estratégias para chamar atenção da sociedade e do poder público para os problemas gerados pela Ternium. – A vigilância popular visa integrar as demandas dos movimentos sociais, com apoio da academia, em uma perspectiva de uma ciência crítica, que promova a saúde, que possa fazer as interações com os serviços de saúde local, atuando em uma perspectiva da vigilância do cuidado. Essa perspectiva pode contribuir para promoção de territórios sustentáveis e saudáveis – destaca Alexandre Pessoa, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Pessoa integrou um Grupo de Trabalho da Fiocruz, formado em 2011, para acompanhar os impactos socioambientais e para a saúde da instalação da siderúrgica, que produziu um relatório que apontou uma correlação entre a exposição a fuligem expelida pela siderúrgica e a incidência de problemas respiratórios, dermatológicos e oftalmológicos entre os moradores da região. – O processo das caravanas que estão sendo realizadas em vários territórios do país mostra não somente o aspecto da denúncia, mas também apresenta os anúncios que possam melhorar as condições de vida e situação de saúde – diz Pessoa, para quem o encontro em Santa Cruz foi “um momento de muita riqueza”. “(O encontro) permitiu reencontrarmos os diversos movimentos sociais, pescadores e moradores que continuam lutando pelos seus direitos, pela proteção da natureza, pelas melhorias da baía de Sepetiba, das suas habitações, dos seus territórios”, ressalta. Karina Kato, professora do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ), afirma que o momento é “crucial” para o fortalecimento de estratégias de vigilância popular na área, uma vez que a empresa já anunciou que vai duplicar a atividade de seu alto forno, o que deve implicar em mais poluição atmosférica na região. – Estamos em um momento em que a poluição atmosférica no Rio de Janeiro alcança níveis muito elevados. A Ternium é responsável por 50% das emissões de gases de efeito estufa da cidade. A gente não sabe ainda qual a data específica para essa duplicação do alto forno ser feita e colocada em prática. Então, é muito importante ter uma nova rodada de dados para a gente mensurar essa poluição e poder cobrar dos órgãos de saúde e das instituições públicas, do Executivo, da área ambiental, ações no sentido de mitigar, prevenir ou remediar possíveis danos na Baía de Sepetiba – argumenta Kato. Ela lembra que a siderúrgica acaba de renovar sua licença de operação emitida pelos órgãos ambientais do Rio de Janeiro. A empresa ficou anos operando sem licença, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), até 2016. Em 2017, a TKCSA foi vendida para a empresa ítalo-argentina Ternium, por cerca de R$ 5 bilhões. Para a professora da UFRRJ, atrasar a concessão da licença de operação definitiva da então TKCSA foi uma das vitórias da mobilização popular na região. “ A vigilância popular vem nesse contexto de tornar os atingidos por essa poluição em agentes que vão se organizar para mensurar e monitorar essa poluição, para então buscar a cobrança nos meios judiciais. Isso é um grande avanço”, diz Kato. Mas lamenta: “A gente esbarra sempre na impossibilidade de conseguir achar um nexo causal entre a empresa e as doenças, o que requereria um estudo epidemiológico muito grande, muito bem feito a partir do Estado, e isso nunca é feito”. Para Alexandre Pessoa, a falta de informações continua sendo um problema central ali. "Os moradores de Santa Cruz continuam sofrendo com relaçao à falta de informações referentes aos possíveis impactos decorrentes das emissões da siderurgica. É uma atribuição e um dever do Estado fornecer essas informações por meio das suas unidades básicas de saúde", aponta.

Luta que se renova

Formado por jovens moradores de Santa Cruz, o coletivo Martha Trindade foi central para uma ação de monitoramento da qualidade do ar que serve de exemplo da articulação entre organizações comunitárias e academia característica da vigilância popular em saúde. O coletivo, que homenageia uma trabalhadora da saúde de Santa Cruz que foi uma das pioneiras na mobilização contra os impactos da siderúrgica, foi formado em 2016 a partir de um intercâmbio entre a Fiocruz, o Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS) e a organização Justiça nos Trilhos, que monitora os impactos da mineração no Maranhão. A partir de uma metodologia construída por técnicos da Fiocruz, o coletivo passou a fazer medições da qualidade do ar em Santa Cruz. Como explica Leandro Carvalho, técnico em saúde pública do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Cesteh/Ensp/Fiocruz), o objetivo era monitorar um tipo de poluição muito perigosa, o material particulado 2.5. – É uma partícula muito fina que consegue penetrar no sistema respiratório de forma profunda, e trazer doenças muito graves – diz Carvalho, e conta que, em conjunto com os membros do coletivo Martha Trindade e moradores de Santa Cruz foi pensada uma estratégia de monitoramento ambiental comunitário. – Por que comunitário? Não é um técnico do laboratório, um pesquisador que vai a campo executar com equipamentos caros e complexos. É a população local, no caso jovens que foram capacitados, que aprenderam a lidar com o equipamento, a fazer a coleta e principalmente discutir os resultados obtidos. Isso é muito legal, porque eles têm uma visão ampla de como é que isso funciona. Integrante do coletivo Martha Trindade, Wanessa Afonso explica que foram adquiridos equipamentos portáteis para monitorar a qualidade do ar, que foram então colocados nas casas de moradores em um raio de 5 quilômetros da Ternium para medições que aconteceram entre 2016 e 2017. “A gente aplicava a metodologia construída junto com a Fiocruz e com isso produzimos um relatório no final de 2017, que indicou que os níveis de poluição estavam maiores do que os níveis indicados pela OMS [Organização Mundial da Saúde]”, diz Afonso. – A partir desse relatório a gente tentou fazer incidência em alguns mandatos, alguns políticos assinaram uma carta compromisso com a nossa luta, tivemos um pouco mais de visibilidade – complementa. Segundo ela, os problemas respiratórios são muito comuns no território. "O problema da ‘chuva de prata’ foi muito emblemático porque a gente conseguia ver claramente muito pó. Hoje em dia a gente ainda vê muito pó, mas ele é bem mais fino”, relata. A siderúrgica foi obrigada pela Justiça a instalar um filtro após os episódios da ‘chuva de prata’ na região. “Eu não sei o que é acordar sem espirrar. Muitos de nós normalizamos ter rinite, bronquite, usar bombinha direto, sendo que é algo que a gente quando criança não tinha”, afirma Wanessa. Para ela, o caso da instalação da Ternium em Santa Cruz é emblemático do chamado racismo ambiental. – Além de Santa Cruz ser um território com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) muito baixo, a maioria da população é negra, pobre, então é um território que é invisibilizado e foi periferizado. E a empresa colocou dinheiro para montar um reforço escolar, pré-vestibular, escola de futebol, escola de balé. Isso acaba gerando um convencimento, um consenso de que nada está acontecendo ou que a saúde vale menos do que o fato de estar gerando emprego, mesmo todo mundo tendo problema respiratório. Mas os impactos da siderúrgica no território não se limitam a poluição do ar, segundo os moradores de Santa Cruz Um dos primeiros grupos a denunciar os efeitos deletérios para o meio ambiente da instalação da então TKCSA em Santa Cruz foram os pescadores artesanais da Baía de Sepetiba. – A baía toda sofre com a falta de peixe por conta da poluição – reclama Ivo Siqueira, pescador artesanal da praia de Guaratiba, explicando que a siderúrgica se instalou em uma área de manguezais onde havia muitos peixes, mas que se tornou uma área de exclusão de pesca. – Outro problema é o assoreamento, pois a empresa precisa dragar constantemente o canal do São Francisco para manter a profundidade e possibilitar o tráfego das suas balsas, e esse material é dispersado por toda a região. Nós estamos perdendo a baía – lamenta. Moradores do conjunto habitacional de São Fernando em Santa Cruz responsabilizam ainda a siderúrgica por uma enchente ocorrida em 2010, que segundo Maria Regina de Paulo, moradora do conjunto desde 1990, ocorreu por conta de uma obra realizada pela empresa que desviou em 90 graus um canal que passava pelo terreno onde a siderúrgica se instalou. – Ficamos com água no conjunto uma semana, as casas cheias de água, perdemos muita coisa. A única salvação foi um colégio onde as pessoas ficaram uma semana comendo e tomando banho. Muita gente foi embora – resgata de Paulo, complementando que os moradores entraram com 230 ações na Justiça contra a TKCSA procurando reparação pelos danos causados pela enchente. – Não ganhamos nada – conta. E completa: “Depois de um ano nada foi resolvido e continuava a encher. Então foi feita uma galeria fluvial que pega a água da rua e joga no canal de São Fernando”. Com isso a área acabou perdendo uma das únicas áreas de lazer e prática de esportes disponíveis da região. “Continuamos firmes na luta para provar que (a Ternium) está trazendo prejuízo para a gente. O pó químico agora é tão fininho que você não enxerga, a não ser uma fuligem preta. Além disso tem o trem, que passa toda hora, apitando, é muita perturbação. As casas localizadas na linha do trem têm as paredes todas rachadas. Então a gente espera ganhar essa causa um dia”, conclui Paulo.
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