“Na segunda ‘abertura dos portos’, o Brasil ingressou na atualidade da Era Digital enquanto grande país consumidor. Ao deixar de produzir internamente os bens e serviços digitais, o país passou a perseguir, novamente, o modelo primário-exportador, com o agravante de ter se convertido em plataforma de financeirização do estoque de riqueza velha”.
Por Marcio Pochmann - de São Paulo
Os 200 anos que se sucederam à declaração da Independência nacional, em 1822, podem ser divididos em quatro distintos períodos de tempo: mercantilismo, liberalismo, desenvolvimentismo e neoliberalismo. O primeiro, referente ao Império, prevaleceu por 67 anos assentado no trabalho escravo sob a dominância do Estado absolutista a sustentar a família real, a nobreza e o clero.Razão da prevalência
A razão da prevalência do desempenho da renda nacional per capita muito desfavorável a partir de 1980 se deve fundamentalmente à perda do vigor econômico nacional. Isso porque o crescimento médio anual da população brasileira foi o menor de todos os tempos. Entre 1980 e 2020, por exemplo, a expansão média anual da população nacional foi de somente 1,4%, ao passo que durante o Império foi de 1,7%. No liberalismo, entre os anos de 1889 e 1930, a população brasileira cresceu 2,2% ao ano, enquanto no período desenvolvimentista, entre os anos de 1930 e 1980, o número de brasileiros aumentou 2,6%, a maior expansão média anual dos últimos 200 anos. Do ponto de vista econômico, o esvaziamento da vitalidade nacional se encontra associado à forma com que o país ingressou na globalização a partir de 1990. Passiva e subordinadamente, o Brasil internalizou a fórmula balsâmica das altas taxas de juros combinada com a valorização cambial, acreditando que o problema do atraso nacional se devia ao Estado desenvolvimentista. A primazia da condução neoliberal desde então se procedeu como se fosse uma espécie de segunda abertura dos portos “às nações amigas”. Na primeira abertura dos portos conduzida por D. João VI, em 1808, assistiu-se ao ingresso na Era Industrial pela condição de comprador de bens e serviços industriais subordinada ao modelo econômico agrarista primário-exportador. Isso somente foi rompido pela Revolução de 1930, quando o Brasil se afirmou na Era Industrial como um país que se transformou de importador em exportador de bens e serviços industriais, alguns anos depois. Para isso, o liberalismo deu lugar ao desenvolvimentismo, próprio da desglobalização registrada entre as décadas de 1910 e 1970.“Abertura dos portos”
Na segunda “abertura dos portos”, o Brasil ingressou na atualidade da Era Digital enquanto grande país consumidor. Ao deixar de produzir internamente os bens e serviços digitais, o país passou a perseguir, novamente, o modelo primário-exportador, com o agravante de ter se convertido em plataforma de financeirização do estoque de riqueza velha. Ou seja, o Brasil passou a repetir, guardada a devida proporção, a crescente dependência das receitas advindas das exportações de produtos primários e semiprocessados (especialização produtiva) para financiar importações de bens e serviços digitais. Com isso, o dinamismo econômico interno foi muito enfraquecido pelo abandono do sistema produtivo complexo, diversificado e integrado, o que explicita o desastre econômico do período neoliberal atual.Marcio Pochmann, é economista, pesquisador e professor da Unicamp.
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