Rio de Janeiro, 05 de Dezembro de 2025

Projeto de lei sobre titulação de terras pode facilitar grilagem no Rio

Um projeto de lei que está em debate na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) poderá, se aprovado, facilitar a "grilagem" e repetir no estado as políticas do governo federal sobre regularização e titulação de terras agrárias e urbanas. 

Quarta, 19 de Maio de 2021 às 09:13, por: CdB

Um projeto de lei que está em debate na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) poderá, se aprovado, facilitar a "grilagem" e repetir no estado as políticas do governo federal sobre regularização e titulação de terras agrárias e urbanas. 

Por Redação, com Brasil de Fato - do Rio de Janeiro Um projeto de lei que está em debate na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) poderá, se aprovado, facilitar a "grilagem" e repetir no estado as políticas do governo federal sobre regularização e titulação de terras agrárias e urbanas. O "Titula Rio" (PL 3825/21), de autoria dos deputados André Ceciliano (PT) e Max Lemos (PSDB), reproduz quase na íntegra o Programa "Titula Brasil".
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Parlamentares e especialistas temem que regra favoreça especulação imobiliária e ação de milícias sobre famílias e pequenos agricultores
Na semana passada, a Comissão de Trabalho, Legislação Social e Seguridade Social da Alerj realizou audiência pública sobre a questão fundiária e luta histórica de movimentos populares pelas reformas agrária e urbana. O PL propõe o Título Definitivo, que transfere completamente a propriedade da terra pública para o beneficiário e dá a ele o poder de aliená-la em financiamentos bancários ou vendê-la após 10 anos. Na esfera federal, essa modalidade já vem sendo colocada em prática e o governo Bolsonaro vem adotando, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a estratégia de pressionar as famílias assentadas para adotarem como única forma de regularização dos lotes o Título Definitivo. O que chama a atenção é que a Lei 8.629/1993 detalha três formas de regularização. Além do Título Definitivo, há o Contrato de Concessão de Uso (CCU), concedido após a criação do assentamento, e a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). Neles, é permitido ao beneficiário o uso da terra e a transferência de posse para os herdeiros, sob fiscalização do Incra e sem direito a venda ou alienação. "Assim, considerando o alto custo de produção na terra, o assentados que recebam o Título Definitivo não terão condições financeiras de subsistir na propriedade e serão estimulados a vendê-la pra quem tem maior poder econômico, levando a maior concentração de terras", afirma o relatório da audiência pública.

Repercussão

Há mais de 30 anos, os movimentos populares e sindicais do campo defendem a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) na regularização dos assentamentos de reforma agrária. O CDRU garante o reconhecimento da função social da terra e evita a mercantilização dos lotes e a privatização dos assentamentos. Para a advogada Fernanda Vieira, que é integrante do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (NAJUP) Luiza Mahin, o projeto foi conduzido de forma acelerada e, por isso, não pode ser aprovado em seu texto original. Ela explica que não existe urgência para que o projeto se torne lei, já que existem marcos normativos sobre o tema, como a Lei 13.465/17, da qual é crítica, e o Estatuto da Cidade, que delega ao poder municipal  a competência para o procedimento em áreas urbanas. Ela criticou o texto original, que trata de forma pouco detalhada a questão da regularização  e prioriza a titulação. A advogada disse que o projeto segue uma lógica do capital, ao transformar espaços rurais e urbanos não comercializáveis e de bem público em territórios mercantilizáveis. – O projeto tem similitude com a lógica do governo federal, que é dar o título de domínio sabendo, de antemão, que isso vai gerar pressão sobre o pequeno proprietário, sobre famílias que na pandemia estão mais empobrecidas e que serão alvo fácil de empreendimentos na área urbana, por exemplo, onde há uma intervenção ilícita das milícias sobre o controle de territórios. Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), Regina Bienenstein também lembrou que já existe lei (Lei n° 13.465) que permite a privatização de terras públicas, sem estabelecer prioridade para o trabalhador mais pobre. A aprovação do PL na Alerj só reforçaria a falta de políticas voltadas aos movimentos populares. – É uma proposta generalista que não define questões fundamentais como instância de controle social, regularização enquanto direito à terra para moradia, agricultura familiar, mecanismos para assegurar que a população não seja removida, seja por ações diretas, seja por processo de gentrificação , prioridade para assegurar a função social da propriedade, quem definirá quais áreas prioritárias a regularizar, entre outros aspectos – critica a professora.

Votação

Presidente da Comissão de Trabalho, Legislação Social e Seguridade Social da Alerj, a deputada Mônica Francisco (Psol) disse ao Brasil de Fato que o PL até pode ter boas intenções ao tentar garantir o princípio de posse, mas o texto é "generalista" por não detalhar quais territórios e que funcionários e entidades estarão designadas para essa tarefa. – Em espaços que são alvos das narcomilícias e da especulação imobiliária pode haver mais remoções. No campo, pode gerar mais enfrentamentos e desapropriações violentas, pode representar um risco para os grupos cujos direitos são historicamente violados. Precisamos ter cuidado para que não se cometam arbitrariedades futuras que poderão ter a legislação como garantia – comentou Mônica Francisco. Por conta das questões levantadas, o PL recebeu emendas e poderá ser alterado, mas ele ainda consta na pauta de votação da Alerj desta quarta-feira. Mônica Francisco defende que a proposta seja retirada de pauta. Na audiência pública do último dia 10, o consenso entre os participantes é que as emendas não bastam, é preciso ampliar o debate com movimentos populares, parlamentares, técnicos, especialistas e o executivo estadual.
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