O que se está constituindo nos EUA é uma plutocracia, o exercício do poder pelas classes mais abastadas. E, para estas, é fundamental que o mundo se submeta aos seus interesses.
Por Abraham B. Sicsú – de Brasília
Nasci no pós-Segunda Guerra Mundial. O mundo tinha dois polos claros de poder. União Soviética e Estados Unidos da América do Norte disputavam a hegemonia. Dois polos que se enfrentavam na busca pelo poder, e pela liderança tecnológica. A tensão constante, a Guerra Fria, a propaganda como arma. Lembro da frustração americana quando Iuri Gagarin foi o primeiro ser humano a viajar no espaço, era a luta desenfreada para ser o primeiro a chegar à Lua.

Tempo passa e vem o declínio do mundo soviético. Emblematicamente representado pela queda do Muro de Berlim, 1989. Vaticínio dos analistas. O mundo virará unipolar. A liderança americana será inconteste. O desenvolvimento das nações passará necessariamente pelos desígnios do país do norte.
Não foi bem assim. A União Europeia achou seu espaço. Surge a China como um novo ator, cada vez mais forte e atuante. A Rússia se reorganiza. Os BRICs, inicialmente sem a África do Sul, começam a ganhar importância. Países asiáticos, os tigres asiáticos, se reestruturam e ganham posição no cenário internacional. A globalização era o mantra, permitia que blocos intermediários se formassem. Um mundo em que a concentração do poder não é tão clara. A hegemonia compartilhada, a produção compartilhada.
Uma nova lógica tenta ser estruturada. O primeiro Trump é um marco. A extrema direita se organiza, ganha espaços. Sob liderança dos estadunidenses, passa a ter um objetivo nítido de poder e dominação. Ganha países importantes, na Europa e na América Latina.
A prática é muito parecida. Uso massivo das mídias sociais, disseminação de inverdades, as fake news se tornam moda, volta ao nacionalismo exacerbado, criação de fantasmas no comunismo e na existência de imigrantes desafortunados, todos vistos como marginais e destruidores das principais bandeiras da “pátria, da família e da sociedade”.
Num primeiro momento não se firma, perde o governo americano. Mas, não significa que desaparece, não se dá por vencida. Mantém-se viva e ativa, com forte atuação na desinformação. Cresce na Europa, tem vitórias na Latino-América e, finalmente, consegue retomar o governo na América do Norte.
Discurso xenófobo
Com um discurso xenófobo, em que só são importantes os interesses do país, solidariedade é bom esquecer. Novo mantra, buscam retomar a ideia de um mundo unipolar, ao qual todos os outros devem se submeter. Nas palavras do novo presidente americano, “precisam mais de nós; nós não precisamos deles”.
Sem discutir a ridícula frase, importante entender quem são o “nós”.
Fica claro, como bem ressalta um dileto amigo, que o que se está constituindo é uma plutocracia. Exercício do poder, nos Estados Unidos, pelas classes mais abastadas da sociedade. E, para estas, é fundamental que o mundo se submeta aos seus desígnios, seus interesses de valorização do capital, de exploração dos demais.
Três grupos principais são a base disso no governo, desse modo de pensar o país mais poderoso da atualidade, quais sejam, as big techs, o setor de energia poluente assentado no petróleo e a indústria de armamentos. Não é à toa que aderem no primeiro momento, financiam todos os eventos de campanha e se apresentam triunfais na cerimônia de posse.
As Big Techs exigem, são atendidas, o não controle das novas mídias que a Internet trouxe. Com isso, os conteúdos se tornam livres, tudo é permitido. O que estava na deep web passa a poder ser explícito e a manipulação das massas será feita com muito maior profusão. Um vale-tudo em um mundo de intrigas e desinformação usado para manter explicitamente o poder. Mais, não se limitarão à América do Norte, a pressão será clara em acordos comerciais e atendimento das principais reivindicações dos países ocidentais que precisarem de suas parcerias. Difícil os governos que terão força suficiente para resistir a esse movimento internacional capitaneado pelo país mais poderoso do Ocidente.
Na área de energia, outro absurdo fica escancarado, já com as primeiras medidas tomadas. Embora fique claro e comprovado cientificamente o desastre ambiental para onde se está caminhando, advindo de um setor produtivo e de consumo assentados fortemente no petróleo, isso é totalmente ignorado. Os Estados Unidos abandonam acordos comerciais importantes e dão empoderamento a um modelo destrutivo e tóxico.
Avanços dados
Os avanços dados no controle ambiental serão ignorados em busca de um lucro exorbitante que beneficia uma classe de proprietários que aderiram no primeiro instante, as empresas petrolíferas e agregadas. Verdade que o governo anterior também fez muitas concessões equivocadas, mas este deixa explícito o modelo desejado. O fracking das rochas betuminosas levado ao extremo, a contaminação advinda ignorada, os impactos ambientais cada vez mais aprofundados desprezados, um desatino para a vida humana da atual e das futuras gerações.
O terceiro pilar da plutocracia está na indústria armamentista. Em 2023, os norte-americanos gastaram mais de um trilhão de dólares no setor. São o maior exportador de armas do mundo. Os gastos militares, nos diferentes países sob sua influência, têm crescido enormemente. Não é necessário que se esteja em guerra, como a de Gaza ou da Ucrânia, basta ameaças potenciais para pesados investimentos em armamentos serem feitos.
Também, internamente, os gastos crescem enormemente com armamentos. A Associação Nacional do Rifle tem um poder enorme nos Estados Unidos e se opõe a qualquer medida de controle de armas. Possui uma bancada no legislativo extremamente fiel e poderosa. Desde o primeiro momento se apresentou como apoiadora ao novo governo. Terá como recompensa a maior liberalização do porte de armas e da venda sem controle.
Esse tripé forma a base de apoio que se faz presente nas medidas já anunciadas. O objetivo é voltar a ser um mundo em que os Estados Unidos ditem as normas e lógicas de convivência entre as nações. Com isso, buscam o domínio do poder mundial que deve se expandir para outros países que estarão, assim esperam, sob sua orientação. Um mundo com mais informações inverídicas, mais poluído, mais armado e destruidor. Unipolar desejam. Essa é a lógica que querem implantar para exacerbar o crescimento da margem de lucro dos poderosos, dos plutocratas manipuladores.
A resistência não é fácil, mas passa por fortalecer a multipolaridade, por criar mecanismos que tragam as informações cientificamente comprovadas na área ambiental, por mostrar que a fome e a desigualdade são males muito mais relevantes do que a necessidade dos armamentos e da dominação dos semelhantes. Entre outras formas de resistência à avalanche do mal que está sendo formada e foi muito pensada.
O caminho é complexo, mas uma luta necessariamente a ser assumida.
Abraham B. Sicsú, é professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador aposentado da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco).
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