A cineasta catalã Mar Coll, considerada a mãe do cinema novo catalão, baseada num livro da escritora basca Katixa Aguirre, As Mães Não, provoca tensão, angústia e mesmo revolta no público, em especial os pais e mães, com o filme Salve Maria, mostrando o considerado pecado maior – o da mãe que rejeita seu recém-nascido a ponto de desejar que ele morra.
Por Rui Martins, em Locarno
A triste herança deixada por Bolsonaro: a ausência de novos filmes brasileiros no Festival de Cinema de LocarnoTanto o livro como o filme se baseiam no infanticídio cometido por uma mãe francesa afogando seus filhos gêmos de dez meses. Mas Mar Coll foi além, transformou seu filme num thriller capaz de fazer os expectadores prenderem a respiração e se remexerem nos seus lugares.
Na narrativa da personagem Maria, jovem mãe com um começo de sucesso como escritora e com uma depressão pós parto, na qual detesta amamentar e ignora o filho, fica sempre presente o risco de chegar ao extremo de matá-lo. Maria parece obcecada com o relato da matricida francesa, noticiado com destaque pela imprensa, a ponto de procurar encontrá-la pessoalmente a fim de saber quais sentimentos a tinham impulsionado ao crime.
Teria Maria também o mesmo impulso ou agia em busca da redação de um livro, prioritário às suas obrigações de mãe?
O filme deve ser entendido como uma provocação ao tema da maternidade instintiva, considerada tabu, pelo qual todas a mulheres são feitas para serem mães, dentro das novas interpretações do ser mulher pelo feminismo pelo qual a maternidade é cultural, em ruptura com a sacralização da maternidade por todas religiões. O livro de Katixa Aguirre trata dessa questão na visão de Doris Lessing e Sylvia Plath.
A cineasta Mar Coll conta ter se interessado pelo livro de Katixa Aguirre logo depois de ser mãe. E deixa claro que para ela ser mãe foi uma boa experiência, mas entende que pode ser um problema para algumas mulheres. Neste caso, a rejeição do bebê por depressão ou outro problema da mãe precisa ser entendido, diz ela, e não ser tratado de maneira injuriosa, violenta e sujeito a punição.
“Posso dizer que este filme é um manifesto, mas não gosto de pensar que seja um filme de tema, mesmo que esteja em causa um assunto controverso e tabu. É certo que existe ternura, amor, cuidado, etc, na maternidde, mas existem também muitos sentimentos obscuros, dos quais se fala pouco. É nesses sentimentos que o meu filme coloca o foco”.
E como o filme mostra o pai e marido de Maria nessa situação? Ocupado com seu trabalho, acostumado com a imagem tradicional da mãe, ele não vê e não percebe a situação e sua agravação, apenas se preocupa com o fato de Maria não falar com o bebê. Deixa também de tirar férias parentais para ajudar Maria, abreviando o desfecho da crise.
Por Rui Martins, convidado pelo Festival de Cinema de Locarno.