Apelidada pelos paulistanos com um mínimo de sensibilidade estética de monstrumento, a estátua do bandeirante Borba Gato é detestada também por quem simpatiza com os oprimidos. Em 1969, Carlos Lamarca impediu que participantes da VPR dinamitassem a estátua de Caxias.
Por Celso Lungaretti
Motivo: tratou-se de outro dos sertanistas brasileiros que não passavam de caçadores de indígenas e de escravos fugidos, tendo sido, ainda, responsáveis por massacres e estupros aos montes.
A remoção legal daquele exemplo de feiura e símbolo de extermínio já deveria ter ocorrido há uma eternidade. Mas, não vejo motivo para se fornecer, justamente agora, munição retórica ao bolsonarismo agonizante.
O governo do genocida está derretendo a olhos vistos e, como nada de positivo tem para apresentar, tenta salvar-se com alarmismo barato. Ao cuidado com o Lula! poderá somar-se o cuidado com os terroristas!
Mais vale centrarmos fogo no inimigo principal e deixarmos besteirinhas como essa –um modismo importado de nações que não têm um doido de pedra ensanguentando a faixa presidencial– para depois.
O episódio me fez lembrar o pedido que um pequeno grupo de resistentes à ditadura militar fez para a Vanguarda Popular Revolucionária em agosto de 1969.
Seus integrantes eram, se bem me lembro, arquitetos e queriam de nós dinamite para explodir a estátua do Duque de Caxias no bairro paulistano de Campos Elísios, garantindo que ela era oca e poderia ser facilmente mandada pelos ares.
O comando estadual de São Paulo aprovou a entrega dos explosivos, acompanhando a opinião do José Raimundo da Costa, que era o incumbido de manter contato com grupos independentes como aquele.
Os outros integrantes (o Samuel Iavelberg, o João Domingues da Silva e eu) apoiamos a cessão da dinamite, contagiados pelo entusiasmo do Moisés, ex-sargento da Marinha a quem agradava muito a ideia de não existir mais estátua do Caxias no dia 25 daquele mês, quando amanhecesse o Dia do Soldado.
O Comando Nacional, contudo, vetou, seguindo a posição do comandante Carlos Lamarca, de que tal traquinagem provavelmente seria respondida com torturas aos companheiros da VPR presos, além da intensificação do extermínio de nossos quadros.
Não iludirei ninguém: eu concordava com o Moisés, impetuoso como jovens de 18 anos costumam ser.
Hoje, septuagenário, tendo ainda uma lesão permanente e vivas lembranças de minha temporada no inferno (o DOI-Codi e a PE da Vila Militar), concordaria com o Lamarca: uma mera demonstração de força não valia o preço que o nosso pessoal, indefeso, poderia ter de pagar por ela.
Celso Lungaretti é jornalista, editor do blog Náufrago da Utopia.
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.