Ultradireitista Reunião Nacional, obtém seus melhores resultados no primeiro turno da eleição legislativa antecipada na França. Mas depois da cartada de Macron, consequências são ainda uma incógnita.
Por Redação, com DW – de Paris
Aproveitando a glória de uma vitória de 33% no primeiro turno das eleições parlamentares francesas na noite de domingo, o jovem presidente da Reunião Nacional (RN), Jordan Bardella, usou seu primeiro discurso pós-eleitoral para se apresentar como um estadista sério, que é mais do que apenas o garoto-propaganda da campanha de ultradireita da França.
– No próximo domingo, se o povo francês nos conceder a maioria absoluta para reerguer o país, pretendo ser o primeiro-ministro de todos os franceses, ouvindo cada um deles, respeitando a oposição e atento à unidade nacional – disse o jovem de 28 anos a uma multidão em Paris.
A ultradireita parece estar mais próxima do poder do que em qualquer outro momento desde a ocupação nazista da França durante a Segunda Guerra Mundial, com Bardella tentando servir como primeiro-ministro em uma “coabitação” incômoda com o presidente francês centrista, Emmanuel Macron, até que seu mandato termine em 2027.
Mas o uso de “se o povo francês” por Bardella exerceu muita pressão nesse estágio da campanha. Ele deu aos franceses o poder de escolher seus representantes e os incentivou a fazer isso em favor de seu partido.
De acordo com as projeções atuais, a RN, sigla fundada, em sua forma original, pelo racista condenado Jean-Marie Le Pen, pode muito bem ficar aquém de uma maioria absoluta na Assembleia Nacional (câmara baixa do Parlamento).
Forte resultado para esquerda, mas não o suficiente
Em segundo lugar nas pesquisas, com uma projeção de 28,5%, ficou a ampla coalizão improvisada de esquerda Nova Frente Popular (NFP). A aliança, que inclui os socialistas de centro-esquerda, os verdes e os comunistas, é liderada pelo esquerdista radical Jean-Luc Melenchon, do partido A França Insubmissa (LFI).
Os centristas de Macron ficaram em terceiro lugar, com sua aliança liberal e centrista Juntos conquistando apenas 20% dos votos.
Embora a posição de Macron não esteja em perigo (ele foi eleito para um segundo mandato em 2022), sua grande cartada ao convocar uma eleição antecipada parece ter saído pela culatra.
O partido RN obteve a impressionante marca de 31% nas eleições para o Parlamento Europeu em junho, em comparação com os 14% do grupo de Macron. O presidente, que se viu encurralado em um Parlamento fragmentado, lançou o desafio. Como mostram as projeções de domingo, o eleitorado francês respondeu votando na RN.
Alto comparecimento, alta volatilidade
Entretanto, de acordo com o complicado sistema de votação em duas etapas da França, nada é certo ainda. Nos 577 distritos eleitorais franceses, todos os candidatos que obtiveram mais de 12,5% dos votos passarão para a segunda e definitiva rodada de votação, a menos que um deles obtenha mais de 50% dos votos. Nesse caso, o candidato ganha uma cadeira e não há segundo turno.
Desta vez, o alto comparecimento às urnas (quase 70%, o maior índice em quatro décadas) significa que a próxima rodada de votação parece ser mais volátil do que o normal, pois muitos assentos parecem destinados a disputas triangulares, conhecidas como “triangulaires”.
Para evitar a divisão do voto contra a ultradireita, tanto a NFP quanto o Juntos se comprometeram a se retirar estrategicamente da disputa se seus candidatos terminarem em terceiro lugar, deixando que o outro avance para o segundo turno para enfrentar a RN em uma base mais forte.
Macron renovou esse apelo no domingo. “Diante da Reunião Nacional, chegou a hora de uma aliança ampla, claramente democrática e republicana para o segundo turno”, disse ele em comunicado. Melenchon e seus colegas políticos assumiram compromissos semelhantes para se unirem contra a extrema direita, mas ainda não se sabe se todos cumprirão suas promessas.
Animosidade em toda parte
Para Sophie Pornschlegel, analista do think tank europeu Jacques Delors, muito depende do bloco de esquerda NFP e do tradicional partido de direita Republicanos.
A posição do Partido Republicano, no que diz respeito à RN, é menos clara. O chefe do partido, Eric Ciotti, tem pressionado seu outrora poderoso partido, que ficou em último lugar, com 10% dos votos no domingo, a se unir à RN. Bardella também se dirigiu aos republicanos em seu discurso. Mas, como Pornschlegel apontou, os republicanos estão ferozmente divididos sobre se devem colaborar com a RN.
Ao mesmo tempo, ela ressalta que alguns eleitores centristas acharão difícil votar em uma coalizão liderada pelo populista de esquerda Melenchon para as cadeiras que o partido de Macron perdeu por ter ficado em terceiro lugar.
Parlamento francês “quase ingovernável”
Com tanta expectativa de negociação política, Pornschlegel diz que a composição real da futura Assembleia Nacional é muito difícil de prever no momento. “Depende muito se haverá algum tipo de coalizão contra a extrema direita ou se ela se romperá”, disse ela à DW.
De acordo com Mujtaba Rahman, analista do Eurasia Group, a câmara baixa parece estar polarizada. “Com esses números, a extrema direita terá dificuldades para conquistar a maioria no próximo domingo”, escreveu Rahman na plataforma de mídia social X. “Mas a nova Assembleia [Nacional] da França provavelmente será um lugar barulhento e quase ingovernável.”
Para Pornschlegel, um Parlamento travado parece bastante provável neste momento. “Acho que Macron ainda tem muito poder, constitucionalmente, para tomar as decisões sobre quem será o próximo primeiro-ministro.”
Aconteça o que acontecer, ela acredita que a França provavelmente está caminhando para um impasse político de uma forma ou de outra, ou possivelmente para um governo interino tecnocrático. As coisas podem ficar tão ruins que Macron pode até convocar eleições presidenciais antecipadas, argumenta ela. “É impossível governar nos tipos de cenários que estamos vendo”, acrescenta Pornschlegel.
Qualquer que seja o cenário, o mundo político francês não deverá ser mais o mesmo. Na semana anterior ao pleito, o ex-presidente socialista François Hollande, que nos anos 2010 foi responsável pela entrada de Macron na política partidária, deu uma sentença definitiva: “O macronismo acabou. Se é que alguma vez existiu, mas acabou (…). O que ele conseguiu representar, a certa altura, acabou.”