Plataformas de relacionamento conectam milhões de pessoas, mas também as expõem a condutas agressivas. Conhecido por dar a mulheres poder exclusivo de iniciar conversas, Bumble definiu regras claras contra assédio.
Por Redação, com DW - de Nova York
Anna* utiliza sites e aplicativos de relacionamento desde os 18 anos. E foi por meio de uma dessas plataformas que se conectou com um rapaz na Alemanha, onde vive. Ele "parecia ser ok", mas revelou-se um "supernacionalista" e um "racista" após conversas online. "Ele começou a xingar, não a mim pessoalmente, mas o imigrante (em geral). Insinuando que não estou me assimilando o bastante (à sociedade alemã)", contou à agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW). Anna, de 33 anos, decidiu encerrar as mensagens.
Com o uso cada vez mais comum de aplicativos de relacionamentos no mundo, histórias de experiências negativas se amontoam em meio a casos de sucesso de casais que se conheceram online. Afinal, essas plataformas conectam milhões de indivíduos que, possivelmente, nunca se encontrariam de outra forma.
Em uma postura clara contra o discurso de ódio e o assédio, o aplicativo Bumble baniu no fim de janeiro comentários não solicitados e derrogatórios sobre a aparência e os corpos de outros usuários, como forma física ou tipo de cabelos. A plataforma já havia proibido armas e mantém tolerância zero com linguagem gordofóbica, ofensiva a pessoas com deficiência, racista, homofóbica, transfóbica e símbolos de ódio (suásticas, por exemplo).
O aplicativo, disponível no Brasil e no qual as usuárias detêm o poder exclusivo de enviar a primeira mensagem em relacionamentos heterossexuais, estreou no mercado de capitais com sucesso em fevereiro, atingindo um valor de mais de US$ 13 bilhões.
– No mundo real, existem leis e consequências para o seu comportamento. Estamos tentando dizer que se você quer se comportar mal, não pode fazê-lo aqui – disse ao Yahoo! Finance Whitney Wolfe Herd, criadora do Bumble.
O melhor e o pior da Internet
– Os aplicativos de namoro pegaram o melhor e o pior da internet. É o melhor porque fornecem uma maneira para pessoas se conhecerem. Mas terão muitos dos mesmos problemas da internet, como a amplificação de vozes hostis e preconceituosas – afirma Paul Eastwick, professor do Departamento de Psicologia da Universidade da California, Davis, nos Estados Unidos.
Nos Estados Unidos, segundo um levantamento do Pew Research Center , três em cada dez adultos já utilizaram sites ou aplicativos de namoro. Essa proporção varia conforme a idade dos usuários. Quanto mais jovens, maior a presença nestas plataformas: 48% na faixa entre 18 e 29 anos, 38% entre 30 e 49 anos, e apenas 16% acima de 50 anos.
No setor, o Tinder possui mais de 50 milhões de usuários ativos no mundo, Bumble e Badoo (do mesmo grupo empresarial) somam mais de 40 milhões de clientes, e o Grindr (focado no público LGBTI+) supera 3 milhões de usuários por dia. E essas são apenas algumas das opções disponíveis.
Um aspecto interessante desses sites e apps é o porquê de muitos usuários sentirem-se empoderados a agir de maneira agressiva. Nesse contexto, embora outras plataformas também coíbam comportamentos nocivos, as políticas do Bumble se destacam pela clareza, pelos posicionamentos públicos da empresa sobre o tema e por parcerias com organizações contra o discurso de ódio, como a Liga Antidifamação (ADL).
Para Hollis Griffin, professor associado no Departamento de Comunicação da Universidade de Michigan (EUA), cometemos um erro ao dissociar a toxicidade nesses apps daquela presente em namoros "tradicionais". "Humilhar corpos, desejos e identidades", diz o acadêmico, sempre foi parte das experiências de muitas pessoas, mas a distância proporcionada pela internet significa que "há menos consequências" para ataques.
A psicóloga Katherine Hertlein, professora no Departamento de Psiquiatria da Universidade de Nevada, Las Vegas (EUA), destaca outro aspecto para a percepção desses apps como espaços tóxicos: pensamos ter muito mais controle sobre o ambiente online do que possuímos. "Talvez não tenhamos o tipo de mecanismo de bloqueio que pensamos ter. Então, o aplicativo se torna mais assustador", afirma a especialista em tecnologia.
Experiências negativas e positivas
De acordo com o Pew Research Center, 37% dos usuários de sites e apps de relacionamento nos EUA continuaram a ser contatados mesmo após demonstrarem não ter mais interesse, 35% receberam fotos ou mensagens explicitas não solicitadas, 28% foram chamados de nomes ofensivos, e 9% receberam ameaças físicas.
– Você conversa com alguém, fala que não tem interesse e recebe uma foto nua do nada. Ou então a pessoa já vem perguntando se você quer fazer sexo a três. Não tem nem o interesse de saber quem você é – conta à DW Mariana Pinheiro, de 25 anos.
– Não entendo o que algumas pessoas buscam nesses aplicativos se estão apenas enviando fotos ou mensagens questionáveis. Elas destroem a atmosfera desses apps – diz Sebastian Schubert, de 35 anos, que conheceu a ex-namorada em uma plataforma online.
Por outro lado, nem todos os usuários têm histórias negativas a contar. Na verdade, segundo o Pew, as experiências com sites e aplicativos de namoro foram positivas para 57% dos entrevistados. Embora quatro a cada dez tenham considerado as suas aventuras online como negativas até certo ponto.
Anna, por exemplo, fez diversos amigos via apps e destaca que lida bem com pedidos inapropriados. "Não gosto de receber e ou enviar fotos nuas. Quero o encontro em pessoa. Se alguém pede fotos nuas para se encontrar, essa não é a pessoa para eu encontrar."
Ambiente hierárquico
A postura do Bumble contra comportamentos nocivos, argumenta Eastwick, reflete uma crescente percepção das empresas do setor de que, para serem bem-sucedidas, precisam regular condutas agressivas e tóxicas a fim de tornar esses espaços mais seguros para os usuários.
Eastwick, que também coordena o Laboratório de Pesquisa de Atração e Relacionamento, diz que os apps e sites de relacionamentos online possuem uma estrutura complicada por natureza, na qual os usuários essencialmente podem apenas compartilhar fotos e talvez um pouco de texto para expressar quem são. "Isso cria um ambiente muito hierárquico, onde os indivíduos muito atraentes recebem a maioria das mensagens", explica.
Pela natureza das informações compartilhadas ser amplamente baseada em fotos, prossegue o acadêmico, isso "já não reflete bem a forma como o acasalamento humano funciona". "(Na vida real), esse é um ambiente menos hierárquico, mais plano. Há muitas divergências sobre quem é desejável e quem não é."
– No final das contas, esses aplicativos são feitos para aproximar as pessoas e para dar dinheiro aos seus criadores. E se isso os ajudar a ganhar mais dinheiro, acho [que todas essas plataformas] deveriam introduzir algumas medidas para criar um ambiente saudável e também ajudar os usuários a produzir melhores resultados, seja em amizades ou relacionamentos – afirma Schubert.
Medidas eficazes?
Usuária do Bumble há dois anos, Pinheiro acredita que as medidas são "um passo inicial". "Pelo aplicativo ser claro sobre o que não é permitido, isso deve evitar comportamentos tóxicos." Já para Anna, regras contra assédio, violência e discriminação são o mínimo que essas companhias devem ter.
As empresas do setor têm meios para proteger usuários de condutas predatórias. O problema, diz Griffin, é implementar tais políticas. Hertlein, porém, acredita que comportamentos inadequados estão mais ligados com educar o público. As empresas poderiam, por exemplo, oferecer links de pesquisas sobre relacionamentos online para que os usuários estejam "cientes das vulnerabilidades" e vantagens do sistema.
Tentativas de tornar os apps de namoro mais éticos e tolerantes são bem-vindas. Mas Griffin mostra-se alarmado com o controle de conteúdo por empresas. "Preocupa-me que entidades privadas tenham tanto poder sobre o discurso público. Neste caso, essas regulamentações são feitas em nome da justiça. E se fossem usadas para fins opostos?"
O nome da entrevistada foi alterado para manter sua privacidade.