Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, vai enfrentar um sistema já delineado contra ele antes de ter oportunidade de ser ouvido em tribunal, caso seja extraditado para os EUA, conta um ex-oficial da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) dos EUA.
Por Redação, com Sputnik - de Washington
Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, vai enfrentar um sistema já delineado contra ele antes de ter oportunidade de ser ouvido em tribunal, caso seja extraditado para os EUA, conta um ex-oficial da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) dos EUA.
Em entrevista exclusiva à agência russa de notícias Sputnik, John Kiriakou, ex-oficial de contraterrorismo da CIA e ex-chefe investigativo do Comitê de Relações Exteriores do Senado norte-americano, explica como enfrentou prisão, fruto de acusações de espionagem lançadas às suas revelações sobre tortura de prisioneiros suspeitos de atos terroristas durante a presidência de George W. Bush.
Tal como o seu caso, Kiriakou também acredita que será impossível que Julian Assange tenha um julgamento justo, uma vez que enfrentaria um jurado composto por membros estatais de Segurança Nacional, do campo militar, e de familiares dos mesmos.
John Kiriakou: breve história de um 'dedo duro'
Kiriakou foi chefe das operações de contraterrorismo da CIA no Paquistão após os ataques de 11 de setembro de 2001. Durante seu tempo de serviço na zona, o ex-agente conduziu várias missões que lidaram com a captura de Abu Zubaydah, que acreditavam ser um dos principais elementos da Al-Qaeda (grupo terrorista proibido na Rússia e em outros países).
Após captura e detenção de Zubaydah em uma prisão secreta, foi perguntado a Kiriakou se teria interesse em ser treinado no uso de "técnicas de interrogação aperfeiçoadas". O agente perguntou em que consistiam essas técnicas, tendo-lhe sido apresentados dez tipos das mesmas, que seriam utilizadas contra Abu Zubaydah e outros prisioneiros.
– Eu disse que soava como um programa de tortura para mim, e que eu tinha um problema ético e moral com o proposto. Isso foi em 6 de maio de 2002. Em 1º de agosto de 2002, a CIA começou a torturar Abu Zubaydah, e usaram até técnicas que não tinham sido aprovadas nem pelo Departamento de Justiça dos EUA nem pela Casa Branca. Além de afogamento, uma técnica bastante conhecida, crimes inexplicáveis foram cometidos contra Abu Zubaydah: execuções simuladas e privação de sono de até 12 dias. Eles o puseram dentro de um caixão com uma fralda por duas semanas. E sabendo que ele tinha um medo irracional de insetos, jogaram uma caixa com baratas no caixão, entre todos os tipos de coisas – descreveu John Kiriakou.
O ex-agente disse ter esperado que alguém falasse, pois mesmo dentro das paredes da CIA havia muitos que não concordavam com os métodos aplicados, dizendo que o programa em andamento era não só não ético, mas também ilegal. Houve quem se demitisse da CIA, pois não queria participar de tais atos, mas ainda assim ninguém falou nada sobre o que acontecia.
Em 2004, Kiriakou se demitiu da CIA, e a sua espera por alguém revelar o que se passava continuou, até dezembro de 2007, quando ele próprio decidiu quebrar o silêncio. Mais tarde, em uma entrevista ao ABC News, Kiriakou revelou que "a CIA estava torturando prisioneiros. Não foi resultado de uma operação dura, como teria insistido o presidente Bush. E que (…) o programa de tortura foi aprovado pessoalmente pelo presidente".
"Relatório de crimes"
Em apenas um dia, a CIA preencheu um "relatório de crimes" com o Departamento de Justiça contra Kiriakou, alegando que o mesmo teria revelado informação secreta. O FBI, por outro lado, passou um ano o investigando, de dezembro de 2007 até dezembro de 2008.
– O que eu não sabia era que (…) quando Barack Obama se tornou presidente, John Brennan, que é a minha nêmesis de longa data e que se tornou assessor de Segurança Nacional da administração Obama, pediu secretamente ao Departamento de Justiça para reabrir o caso contra mim. Eu não fazia ideia de que os meus telefones estavam sendo grampeados, meus e-mails interceptados, e que havia equipes do FBI conduzindo vigilância sobre mim. Isso tudo durou três anos até janeiro de 2012.
No mês em questão, Kiriakou foi preso sob acusações de espionagem, sendo uma delas relacionada à suposta violação do Ato de Proteção de Identidades de Inteligência de 1982. Contudo, tais acusações foram rejeitadas, uma vez que não teria sido de todo o caso. Assim, o ex-agente apelou e concordou com sentença de 30 meses de prisão pela alegada violação do Ato de Proteção de Identidades de Inteligência, tendo acabado cumprindo 23 meses de prisão ao invés dos 45 anos a que estaria prestes a ser condenado.
Julgamento no 'tribunal de espionagem'
John Kiriakou foi julgado no Distrito da Virgínia Ocidental, conhecido como "tribunal de espionagem" por duas razões: é a sede tanto da CIA como do Departamento de Defesa; e nenhum réu de segurança nacional já ganhou um caso no mesmo, entre eles Zacarias Moussaoui, Edward Snowden, Jeffrey Sterling, e o próprio Julian Assange.
No entanto, há uma razão para a qual tais réus acabam nesse lugar, pois o jurado é constituído por membros, amigos ou até familiares da CIA, FBI, do Departamento de Defesa, do Departamento de Segurança Nacional, e de contratantes da comunidade de inteligência. Por essa razão, é quase impossível encontrar um júri que seja independente.
O que pode esperar Assange?
Por experiência própria, Kiriakou acredita que Assange também não terá um julgamento justo. Afinal, o jurado é conservador, visto que no seu caso lhe disseram que "se estivéssemos em outro distrito nos EUA ganharíamos. Se estivéssemos em outro distrito dos EUA seguiríamos em frente. (…). Mas no Distrito da Virgínia Ocidental você não tem chance. Pegue o acordo".
No caso de Julian Assange, Kiriakou pensa que o "dedo duro" está em uma posição ainda mais precária, pois quase todo mundo já tem um pensamento do caso. Assange foi muito coberto pela mídia, e, sendo um cidadão estrangeiro acusado de espionagem e sentenciado no Distrito da Virgínia Ocidental, Kiriakou não vê como será possível Julian Assange ter um julgamento justo.