Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

O empreendedorismo à brasileira

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Segunda, 17 de Janeiro de 2022 às 06:39, por: CdB

 

Para conseguir abrir o próprio negócio, por exemplo, é necessário cumprir uma série de exigências burocráticas e financeiras. Os bancos não costumam correr riscos. Essas instituições, aliás, lucram, cada vez mais, com a miséria e o endividamento da população.

Por Anderson Pereira – de Brasília

Estima-se que o número de brasileiros endividados hoje no país é de 60 milhões de pessoas. Com o desemprego recorde e sem perspectiva de melhora, muitos buscam trabalho no mercado informal. Nesse momento, surge o mito do empreendedorismo.
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Estima-se que o número de brasileiros endividados hoje no país é de 60 milhões de pessoas
O diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, explica. “Alguém que vende bolo na rua ou é motorista de aplicativo de celular não é empreendedor. Empreendedor não é o mesmo que trabalhador por conta própria. Tenta-se dar o conceito de empreendedor como se ele tivesse a opção de realizar uma atividade, um investimento. Na verdade, esse trabalhador está em um esforço muitas vezes descomunal, tomando a iniciativa para ter algum tipo de renda, e isso não tem nenhuma relação com empreendedorismo”, esclarece Lúcio. Em outras palavras, “o empreendedor seria aquele que tem condições financeiras de ter um capital para que possa ampliar esse mesmo capital, ou seja, ampliar seus lucros, sua acumulação”, acrescenta a professora Cláudia Mazzei Nogueira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para conseguir abrir o próprio negócio, por exemplo, é necessário cumprir uma série de exigências burocráticas e financeiras. Os bancos não costumam correr riscos. Essas instituições, aliás, lucram, cada vez mais, com a miséria e o endividamento da população.

Falso empreendedorismo

Explicar como esse discurso do falso empreendedorismo ainda encontra eco na sociedade atual tem sido o desafio de professores, historiadores e psicanalistas. Nora Merlin, pesquisadora da Universidade de Buenos Aires, mestre em Ciência Política e autora de vários livros, explica que o neoliberalismo, política econômica que privilegia o mercado em detrimento do Estado de bem-estar social, manipula os indivíduos sem que muitos percebam. Entre as formas utilizadas para manipular as massas, Merlin destaca os meios de comunicação comercial, as redes sociais, as políticas de educação e a indústria da medicalização. “O neoliberalismo não é possível sem essa colonização, que responde pela obediência inconsciente, ou seja, uma espécie de servidão voluntária”, destaca ela. Ainda segundo Merlin, “um dos afetos que mais manipulam é o da angústia, porque significa desamparo, indefinição, e isso traz a obediência inconsciente. Trabalha-se com o medo, a ameaça, a culpa e o ódio. Essas são as ‘paixões’ privilegiadas do neoliberalismo”, analisa ela.

Meritocracia

É nesse contexto, que valores como o da meritocracia, ou seja, o culto ao individualismo ganha espaço. Merlim afirma que a ovacionada “liberdade individual é uma armadilha do sistema, porque nada se faz sozinho”. Foi dessa forma, valendo-se de um discurso enganoso, do “patrão de si mesmo”, que a reforma trabalhista foi aprovada em 2017. Na época, era divulgado que a medida ampliaria, e muito, as vagas de emprego. O que se viu foi o contrário, conforme já alertavam os sindicatos de trabalhadores e Centrais Sindicais. Em seguida, aconteceu a pandemia e agravou-se o problema do desemprego. A reforma trabalhista alterou mais de 200 dispositivos da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), oficializou a terceirização, precarizou as relações de trabalho e derrubou a renda salarial dos trabalhadores. Hoje, o país tem uma legião de trabalhadores informais sem nenhum direito trabalhista. Talvez por isso, o debate político do momento é a anulação da reforma trabalhista. O assunto também ganhou força após a Espanha, que também aprovou uma reforma trabalhista nos moldes da brasileira, ter anulado vários pontos que prejudicavam os trabalhadores. Este é um ano de eleições e, portanto, de grandes decisões políticas. É hora de mudanças.  

Anderson Pereira, é jornalista.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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