A enorme vantagem apresentada por Bukele na pesquisa é uma mostra em números da troca de hegemonia política que ocorreu em El Salvador nos últimos anos, uma vez que a presidência do país esteve nas mãos da Arena por mandatos consecutivos entre 1994 e 2009, e da FMLN entre 2009 e 2019, quando assumiu o atual presidente.
Por Redação, com Brasil de Fato - de São Salvador
Mais de 6 milhões de salvadorenhos foram às urnas neste domingo para participar das eleições presidenciais e legislativas que vão definir se o modelo autoritário adotado pelo atual presidente e candidato à reeleição, Nayib Bukele, seguirá por mais quatro anos ou se o Executivo será renovado. As alternativas, no entanto, não aparecem bem colocadas nas pesquisas e derrotar o atual mandatário nas urnas pode não ser tarefa fácil.
De acordo com estudo publicado no final de janeiro pelo Instituto Universitário de Opinião Pública (Iudop) da Universidade Centro-americana José Simeón Cañas (UCA), Bukele tem impressionantes 81,9% das intenções de voto e é amplo favorito. O segundo colocado é Manuel Flores Cornejo, conhecido como “Chino” Flores, do partido de esquerda Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN). Entretanto, o candidato aparece com apenas 4,2%, seguido do direitista José Humberto Sánchez, do partido Alianza Republicana Nacionalista (Arena), que tem 3,4% das intenções de voto.
A enorme vantagem apresentada por Bukele na pesquisa é uma mostra em números da troca de hegemonia política que ocorreu em El Salvador nos últimos anos, uma vez que a presidência do país esteve nas mãos da Arena por mandatos consecutivos entre 1994 e 2009, e da FMLN entre 2009 e 2019, quando assumiu o atual presidente.
Mas apesar do cenário desfavorável das pesquisas, a esquerda salvadorenha diz estar otimista em relação ao pleito deste domingo e chega à votação “com muita esperança”. É o que disse ao Brasil de Fato a deputada da FMLN Anabel Belloso, que vem percorrendo o país em busca de votos para a reeleição e afirma não acreditar que as pesquisas reflitam o que os eleitores pensam na realidade.
– Nas últimas eleições, muita gente infelizmente caiu em uma campanha carregada de mentiras e ódio, mas hoje não é mais assim, há reprovação ao partido de Bukele e isso cria uma oportunidade para recuperarmos nossa credibilidade e sermos uma alternativa – disse.
Parlamentar por dois períodos consecutivos, Belloso assistiu de dentro do Parlamento a bancada da FMLN encolher de 31 para 23 deputados em 2018, e de 23 para apenas 4 em 2021, quando o partido de Bukele finalmente assumiu o controle do Legislativo e o presidente passou a governar praticamente sem oposição parlamentar. “Nós estamos ali porque é importante ocupar os espaços, mas nenhuma de nossas propostas é sequer debatida”, denuncia.
Esse contexto parlamentar é um exemplo do processo ampliado de deterioração institucional pelo qual El Salvador vem passando desde que o atual presidente chegou ao poder. Apresentado como um sendo de fora do sistema político, Bukele acusa FMLN e Arena de representarem uma “oligarquia política” que estaria ultrapassada e deve ser “combatida” por seu partido e seus apoiadores.
Para isso, o mandatário que já se classificou como um “ditador cool (gíria para legal, em tradução livre)” fez uso de medidas autoritárias, chegando a autorizar a invasão do Congresso pelas Forças Armadas em 2020 e a remoção de juízes da Suprema Corte em 2021.
Para as eleições, o clima segue o mesmo e partidos de esquerda denunciam uma atmosfera de intimidação por parte do governo. “É um cenário eleitoral que não víamos desde a ditadura militar, com um nível de repressão que vem aumentando nos últimos meses”, afirmou Belloso.
‘Sucesso’ na segurança, medo na população
Um dos elementos que auxilia essa percepção de truculência e autoritarismo é a crescente militarização do país. O presidente possui um rígido plano de segurança para enfrentar os grupos do crime organizado e que, segundo dados do próprio governo salvadorenho, possui bons resultados, diminuindo a taxa de homicídios e os índices de violência.
O projeto de “guerra ao crime” foi facilitado pelo estado de exceção que o país vive desde 2022 e que, apesar de ser uma medida de caráter emergencial, vem sendo renovada constantemente. “É claro que um criminoso deve pagar na Justiça, mas para isso existem leis no nosso país, não podemos arriscar que pessoas inocentes sejam presas, há muitos inocentes nas cadeias”, afirma a deputada.
Crítica das decisões de Bukele, a parlamentar diz que a FMLN busca uma resposta firme contra a criminalidade no país, mas que devem se respeitar os direitos humanos e as instituições que permitam transparência e auditorias internas. “Nós não podemos aceitar que, ao invés de estabelecer uma verdadeira política de segurança, os inocentes e a população pague”, afirma.
Pobreza e repressão: falam os movimentos
Não é só no âmbito partidário que as medidas autoritárias do governo são sentidas. Os movimentos populares salvadorenhos também denunciam uma piora nas condições de vida dos trabalhadores e um aumento nas prisões e perseguições de ativistas e militantes.
Ao Brasil de Fato, Marisela Ramírez, do Bloco de Resistência e Rebeldia Popular afirma que desde que foram assinados os acordos de paz entre Estado e a então guerrilha FMLN em 1992 “não havia preso político no país, até agora”.
– Então há um marco democrático que foi sendo reduzido pouco a pouco, enquanto o poder foi se concentrando neste personagem (Bukele), apoiado pelos setores mais ricos de El Salvador, um clã empresarial vinculado com a oligarquia tradicional que, além disso, tem respaldo do imperialismo norte-americano – disse.
A militante ainda afirma que os movimentos estão construindo uma campanha “muito forte para as eleições para que representantes de outros países possam ver a série de violações de direitos humanos, desaparições feitas pelos militares e pela polícia, tortura nas prisões, perseguição política etc que se está cometendo”.
– Se escuta muito pouco sobre isso, as perseguições, os retrocessos sociais, as mulheres de pessoas na pobreza extrema, os milhares de migrantes. Esses são indicadores que mostram que não há condições de vida dignas para a população – afirma.