Estudo aponta que incidência de Alzheimer e outros tipos de demência já dobrou no Brasil nas últimas décadas. Para pesquisadores, falta de controle de fatores de risco, como obesidade e sedentarismo, explicam aumento.
Por Redação, com DW - de Brasília
Cerca de 1 milhão de brasileiros sofrem de demência atualmente, a maioria deles têm a doença de Alzheimer. Há 30 anos, eram 500 mil. Daqui a 30 anos, serão 4 milhões.
Esta é a principal conclusão de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pela Universidade de Queensland, da Austrália. O trabalho foi publicado na quarta-feira na Revista Brasileira de Epidemiologia.
De acordo com os cientistas, os dados são preocupantes mesmo considerando o envelhecimento da população e a melhoria dos diagnósticos. A projeção realizada indica que, se hoje um quarto dos idosos com mais de 80 anos têm algum tipo de demência, daqui a três décadas metade dessa parcela da população terá desenvolvido a doença.
– É a primeira vez que fornecemos uma descrição abrangente de pacientes com doença de Alzheimer no Brasil. Mesmo considerando que em todos os países as pessoas vivam o mesmo, ou seja, tirando o 'efeito da idade' (sobre a incidência da doença) apesar de estarmos passando por uma transformação demográfica importante, o Brasil tem a segunda maior prevalência do planeta (por 100 mil habitantes, perdendo apenas para a Turquia, e seguido por Nigéria e Gana) – explica um dos autores do estudo, Natan Feter, pesquisador do Centro de Pesquisas em Exercícios, Atividade Física e Saúde da Universidade de Queensland e da UFPel.
Isso indica um "descontrole dos principais fatores de risco modificáveis para demência", ou seja, de tudo o que não depende da predisposição genética, da melhor expectativa de vida e do aprimoramento dos diagnósticos, aponta o pesquisador. "O Brasil está num caminho contrário ao de países como Inglaterra e Estados Unidos, onde estamos observando um melhor controle desses fatores", comenta Feter.
Fatores de risco
Os cientistas estão convencidos de que hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes, sedentarismo e obesidade favorecem o aparecimento de doenças como Alzheimer.
Dados mais recentes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e publicada em outubro do ano passado, 22,8% dos homens adultos e 30,2% das mulheres adultas sofrem de obesidade, ou seja, têm índice de massa corporal maior do que 30. Isso é mais do que o dobro do que o apontado pelo IBGE entre os anos de 2002 e 2003, quando eram obesos 9,6% dos brasileiros e 14,5% das brasileiras.
De acordo com o estudo publicado nesta quarta, 75% das hospitalizações decorrentes de demência no Brasil são atribuídas à inatividade física.
Por outro lado, também é importante manter a cabeça ativa. Hábitos de leitura diminuem as chances de demência. A pesquisa constatou também que aposentados com baixa escolaridade têm mais chances de desenvolver Alzheimer do que os que se mantêm economicamente ativos e os que estudaram mais.
– É claro que o envelhecimento tem um papel muito importante (no desenvolvimento de demência), mas com certeza não é a única razão – frisa Feter. "Aproximadamente metade dos casos (de demência) são atribuíveis a fatores modificáveis, como hipertensão, obesidade, diabetes e baixa escolaridade."
Outros problemas de saúde como consequência
Segundo o estudo, os respondentes com Alzheimer relataram mais consultas médicas, quedas, e maior frequência e duração de hospitalizações quando comparado a participantes sem a doença, o que pode estar relacionado à pior saúde física e mental observada nessa população.
Os pesquisadores observaram ainda que dois a cada três idosos com Alzheimer no Brasil apresentam depressão ou relatam tristeza "na maior parte do tempo".
"As análise ajustadas revelaram que os pacientes com DA [doença de Alzheimer] tinham maior probabilidade de serem diagnosticados com diabetes, doença de Parkinson, e acidente vascular cerebral, em comparação com adultos mais velhos sem diagnóstico de DA", diz o artigo.
Conscientização e prevenção
Um recente levantamento realizado pela organização britânica Alzheimer's Disease International apontou que dois terços das pessoas acreditam que a demência é parte normal do envelhecimento. A mesma sondagem indicou que 25% da população entende que não há nenhuma maneira de prevenir o aparecimento de doenças como Alzheimer.
Feter acredita que a conscientização da população é a melhor maneira de reverter, ou pelo menos diminuir, a gravidade desse cenário. "Grande parcela da população acredita que não pode fazer nada em relação à demência, que ela é inevitável e tratada como ‘normal' em decorrência do envelhecimento", pontua ele. "Contudo, atividade física, ao longo da vida, é importante pare reduzir o risco de diversas doenças."
O especialista se preocupa com a falta de prevenção no Brasil. "Temos um quadro preocupante: a prevalência [de casos de demência no Brasil] tende a quadruplicar nos próximos 30 anos, e o controle dos fatores de risco não está sendo suficiente", alerta.
Os pesquisadores defendem que campanhas públicas foquem na importância de hábitos saudáveis, em todas as fases da vida. E que gestores e outras autoridades também preparem as instituições de saúde e serviço social para atender às demandas dessa população, que deve aumentar proporcionalmente.
As informações divulgadas sobre Alzheimer oficialmente pelo site do Ministério da Saúde mencionam como fatores de risco para o desenvolvimento da doença a idade, o histórico familiar e o baixo nível de escolaridade. Para prevenção, a pasta recomenda "estudar, ler, pensar, manter a mente sempre ativa", "fazer exercícios de aritmética", "jogos inteligentes", "atividades em grupo", "não fumar", "não consumir bebida alcoólica", "ter alimentação saudável e regrada" e "fazer prática de atividades físicas regulares".
Vale ressaltar que Alzheimer é o tipo mais comum de demência do mundo, responde por 70% dos casos. Mas há outras doenças, como a demência frontotemporal e a vascular. Cada qual tem suas particularidades, com diferentes características clínicas e progressões. "A generalização, sob o mesmo termo ‘guarda-chuva', é preocupante porque acarreta descuidos quanto ao tratamento e a origem. O diagnóstico correto e acurado é importante", alerta Feter.