O trabalho infantil é um mal que atinge uma em cada seis crianças no mundo. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado nesta segunda-feira, este dado corresponde a 246 milhões de crianças com idade entre 5 e 17 anos, das quais 110 milhões têm menos de 11 anos. A prática de empregar crianças se concentra sobretudo na agricultura, na caça, na pesca, na silvicultura e em olarias (70% do total), e atinge principalmente os meninos. No Brasil, são 5,4 milhões de crianças, a maioria na agricultura.
Uma face oculta do trabalho infantil, no entanto, tem chamado cada vez mais a atenção da OIT no país e se mostrado uma questão de gênero preocupante e de difícil resolução: o trabalho infantil doméstico, que emprega meio milhão de crianças. Cerca de 230 mil delas têm menos de 16 anos, idade mínima permitida pela legislação brasileira. De todas as meninas que se encontram em situação de risco hoje no país, 24% se dedicam ao serviço doméstico, a ocupação remunerada mais comum para o sexto feminino. Entre elas, 75% são negras ou pardas. Mais da metade trabalha mais de 40 horas semanais sem direito a férias, e a remuneração de 64% delas é inferior a um salário mínimo.
- Um dos maiores problemas do combate a esse tipo de trabalho infantil é que ele é quase invisível. No Brasil, muitas vezes não é encarado como uma forma de exploração das crianças. Por ser culturalmente aceito, é considerado leve e até visto como um favor - afirma Renato Mendes, coordenador do projeto regional para a prevenção e eliminação do trabalho infantil doméstico do Programa Internacional de Erradicação do Trabalho Infantil (IPEC), da OIT, no Brasil. De acordo com a legislação brasileira, não é possível, para os inspetores encarregados pela fiscalização do trabalho, verificar o uso de mão-de-obra infantil no trabalho doméstico devido à inviolabilidade de casas particulares, garantida na Constituição Federal.
Além de oculto, este tipo de trabalho infantil tem um aspecto perverso: a violência doméstica, traduzida em maus tratos, discriminação racial e abuso sexual. "Esses casos são muito freqüentes. Uma das meninas que atendemos foi mantida em cárcere privado por sua patroa, que era promotora de justiça", conta Celina Hamoy, coordenadora do projeto de enfrentamento do trabalho infantil doméstico de Belém, Pará, organizado pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) Emaús. O projeto se iniciou em 1999, numa articulação entre ONGs, órgãos públicos e empresários.
Mesmo quando não são violentadas, as meninas carregam pra sempre as marcas do trabalho infantil. A educação é um dos aspectos mais prejudicados. Quanto mais novas as crianças ingressam no trabalho doméstico, menos chances têm de terminar o ensino fundamental e o médio. Somente 3% dos que começaram a trabalhar com idade entre 5 e 11 anos conseguiram chegar até o ensino médio, contra 12% dos que começaram a trabalhar entre 12 e 15 anos. "A criança precisa ser protegida da exploração que traz prejuízos em seu crescimento físico e mental, influenciando sua auto-estima" acredita Patrício Fuentes, coordenador da Unicef no Ceará. "Por isso, a erradicação tem que se centralizar na escola, que precisa ser mais interessante para a criança, e na geração de renda para a família", afirma.
O projeto de Belém também enfrenta problemas com os educadores, muitas vezes insensíveis às questões da infância e com pouco conhecimento da legislação de proteção dos menores. "Muitos educadores com quem trabalhamos sequer aceitavam a existência de trabalho infantil doméstico e discriminavam esses alunos, que acabam dormindo durante as aulas e têm dificuldade de aprendizado", conta Celina. Depois de anos de trabalho, o Cedeca conseguiu mudar o projeto político-pedagógico das escolas atendidas. A nova proposta está fundamentada nos direitos da criança e do adolescente e no respeito e valorização da cultura amazônica.
Piores formas de trabalho infantil<