Rio de Janeiro, 31 de Dezembro de 2025

Qual a agenda da esquerda hoje?

Por Marco Aurélio Weissheimer: Indicadores globais apontam um cenário de instabilidade política, social, econômica e ambiental. Em um mundo saturado pela mercadoria e mediado pelo dinheiro, a esquerda é interrogada por urgentes desafios, muito maiores do que pensar a próxima eleição ou a disputa por cargos neste ou naquele governo. (Leia Mais)

Sábado, 03 de Março de 2007 às 11:42, por: CdB

Em um artigo intitulado "Socialismo macroeconômico", o cientista político José Luís Fiori, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diagnosticou o que considera ser uma perda de rumo e de identidade da esquerda em nível mundial. Um possível resumo do ponto abordado no artigo é o seguinte:

"Surpreende muito que o aumento da desigualdade da riqueza entre as nações, as classes sociais e os indivíduos, nas últimas décadas do século XX, não tenha trazido de volta os temas da agenda clássica dos socialistas, centrada na questão da igualdade social. Trata-se de uma notável perda de rumo e de identidade".

O diagnóstico proposto por Fiori é uma ótima oportunidade para pensar sobre qual é mesmo a agenda da esquerda hoje, no início do século XXI. Para evitar um debate interminável sobre quem de fato seria de esquerda hoje, vamos reconhecer como tal todos aqueles que reivindicam a tradição socialista e pretendem estar agindo politicamente tendo ela como referência.

Se, de fato, estão ou não sendo coerentes com essa tradição é algo que pode começar a ser respondido a partir de um exame dos temas que compõem sua agenda hoje. No artigo citado, após fazer uma rápida retrospectiva sobre algumas das lutas históricas da esquerda - contra a distribuição desigual da riqueza, contra o trabalho desumano nas fábricas, contra a guerra, apenas para citar algumas -, Fiori observa como, nos últimos anos, as minúcias internas da política macroeconômica passaram a ocupar "um lugar crescente e obsessivo nas discussões da esquerda". "Mais do que isto", acrescenta, "ocorreu algo inimaginável do ponto de vista histórico: além de definir seus inimigos externos, a esquerda passou a se diferenciar internamente, e a medir as distâncias entre suas tendências reformistas ou revolucionárias, segundo suas posições e divergências macroeconômicas". Esse é um cenário reconhecível também no ambiente da esquerda brasileira.

Ela passou, como observa Fiori, "a travar verdadeiras guerras teológicas sobre alguns conceitos inéditos e totalmente a-históricos, como por exemplo: qual seja o tamanho ideal do déficit fiscal ou da relação dívida externa/ PIB; ou qual deva ser o crescimento possível dentro do modelo de metas de inflação, e a distância ideal entre as suas bandas superior e inferior; ou ainda, de um ponto de vista mais propositivo, o que fazer para flexibilizar a forma pela qual o Banco Central maneja sua política de juros, para combater a inflação, sem tocar na própria política".

A chegada de Lula à presidência da República, em 2002, é parte da explicação, mas está longe de ser toda ela. Fenômenos similares ocorreram com partidos de esquerda de outros países também, mas o tamanho do problema não se limita à chegada ao poder. Mesmo fora dele, essa agenda macroeconômica segue subordinando temas que são constitutivos da história de lutas da esquerda.

A experiência onipresente do mercado
Essa subordinação costuma ser comemorada (à direita) e explicada (à esquerda) como uma conseqüência inevitável dos fracassos da esquerda no século XX. Fracassos esses exemplificados de modo paradigmático pelo fim da União Soviética e pela derrubada do Muro de Berlim. A vitória do mercado passou a ditar todas as regras, com conseqüências para o pensamento político de esquerda que ainda não foram adequadamente analisadas. As idéias fortes do mercado passaram a ser amplamente hegemônicas.

O jamaicano Stuart Hall, um dos fundadores do centro que se tornou o berço dos Estudos Culturais na Universidade de Birmingham (Inglaterra), descreveu assim uma dessas conseqüências: "Em um mundo saturado pela troca monetária e completamente mediado pelo dinheiro, a experiência do mercado é a experiência mais imediata, diária e universal do sistema econômico para todos". Esse fenômeno cobra seu preço, pago também pela esquerda.

Stuart Hall fala um pouco sobre o tamanho dessa conta:

"Não

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