Ano passado, em mil crianças nascidas na área do Distrito Sanitário Especial Vale do Javari (Amazonas), 103 morreram, segundo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A média nacional calculada pela fundação é praticamente a metade desse índice: 50 mortes em mil nascidos.
- Esse indicador é muito sensível, diz muito sobre as populações, mas temos que avaliar se é uma população que nasce muito, se é numerosa, o que significa esse número de mortes - explica a técnica do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, Irânia Marques, que participa da 4ª Conferência Nacional de Saúde Indígena.
Segundo Clóvis Marubo, liderança local do povo Marubo que habita o Vale do Javari, todos os problemas de saúde têm se agravado desde 2002. O número de mortes estaria alto, sobretudo se comparado ao Xingu (MT), que tem mortalidade de 20 crianças em mil nascimentos - uma das menores do país entre a população indígena:
- O sistema dos distritos funcionou no começou, em 1999 e 2000, mas em 2002 um vazio de atendimento começou a permitir que muitas doenças chegassem à população", relatou Marubo. "A comunidade é muito vulnerável a tudo. Da gripe, da malária, coqueluche acabou surgindo um tipo de hepatite, que em 2004 matou sete pessoas em um mês. As pessoas não pararam de morrer e a situação é agora de revolta.
Coordenador do Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja), Clóvis Marubo alerta para o risco de rebelião contra a Funasa pelas mortes de crianças. O conselho pretende fazer um levantamento da saúde e situação social dos povos para apresentar às organizações internacionais que lutam pelos direitos humanos. Os problemas na região não estariam restritos à saúde. O Vale do Javari fica numa região de fronteira com o Acre e Peru. Os índios reclamam das restrições para exploração de madeira, válidas na prática apenas para os indígenas.
- A gente vê os peruanos, colombianos e os brasileiros, a mando de madeireiros, fazendo a exploração. Ficamos na expectativa de aprender manejo [modo de exploração sustentável da madeira da floresta], mas recebemos a terras e não recebemos capacitação. O povo fica sem se sustentar - denuncia Marubo.
Além da "falta de sustentabilidade" das 37 comunidades do Vale, que ocupa uma área de cerca de 8,5 milhões de hectares no Amazonas, Clóvis diz que a região é alvo do narcotráfico, real atividade das madeireiras.