Rio de Janeiro, 27 de Dezembro de 2025

'Lava jato' reforçou caráter inquisitorial do processo penal

Por Sérgio Rodas - Antes da “lava jato”, porém, polícia, MP e Judiciário brigavam pela verdade no processo, o que dava margem para advogados anularem casos

Terça, 08 de Agosto de 2017 às 05:24, por: CdB

Por Sérgio Rodas - do Rio de Janeiro:

A avaliação é do antropólogo Roberto Kant de Lima, em aula na Defensoria Pública do Rio de Janeiro sobre Justiça Criminal e Segurança. Criador da primeira graduação em Segurança Pública do Brasil, na Universidade Federal Fluminense, ele afirmou que esse cenário apenas reflete o fato de o Código de Processo Penal, que entrou em vigor em 1941 não ter sido substituído com a promulgação da Constituição de 1988.

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“Lava jato” reforçou caráter inquisitorial do processo penal

Um exemplo clássico de como o Judiciário está alinhado com o MP contra a defesa se manifesta no fato de promotores ficarem ao lado do juiz nos julgamentos, disse Lima. “Nada disso é casual. O sistema está dizendo o que ele realmente é”.

Antes da “lava jato”, porém, polícia, MP e Judiciário brigavam pela verdade no processo, o que dava margem para advogados anularem casos. Mas a operação mudou a situação. Destacou o antropólogo. Agora, a delação premiada virou a única forma de o acusado se defender.

O problema, segundo ele, é que o instrumento foi importado para o Brasil com base no modelo dos EUA. Só que lá o mecanismo está baseado na ideia de que o processo judicial é um direito do acusado. Cuja inocência é presumida.

Dessa forma, com a colaboração, ele abre mão dessa garantia. Já aqui, apontou Lima, o processo é obrigação do Estado, e o sujeito é obrigado a se defender. Ou seja: o delator é pressionado a contar tudo o que sabe sob a ameaça de voltar a encarar a Justiça.

– Do jeito como o processo é construído, desde a fé pública do policial. A presunção é sempre de que, se o sujeito está sendo acusado. Ele está devendo alguma coisa. Vide as transações em juizados especiais. Nelas, o sujeito é ameaçado: se não celebrar o acordo, ele será processado. Então, no Brasil, o processo não é do acusado – declarou o especialista em segurança pública.

Desigualdade legitimada

De acordo com Roberto Kant de Lima, o fato de o Brasil pós-Independência ter tido escravos submetidos ao Código Penal, mas sem direitos civis, consolidou uma idéia de igualdade jurídica cristalizada por Rui Barbosa: a de que os desiguais devem ser tratados de forma desigual, pois não seria natural tratar todos igualitariamente.

Por isso que os brasileiros têm dificuldade em compreender os direitos humanos, opina o professor da UFF. “Se estamos o tempo todo ouvindo que as pessoas são desiguais, como dizer que todos são iguais e têm alguns direitos fundamentais? Isso gera diferenças para as pessoas. Daí que alguns entendem, por exemplo, haver um direito dos bandidos e outros dos policiais”, analisou o antropólogo.

 

Sérgio Rodas, é jornalista.

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